Filemom 1.8 a 16 “Por isso, mesmo tendo em Cristo plena
liberdade para mandar que você cumpra o seu dever, prefiro fazer um apelo com
base no amor. Eu, Paulo, já velho, e agora também prisioneiro de Cristo Jesus,
apelo em favor de meu filho Onésimo, que gerei enquanto estava preso. Ele antes
lhe era inútil, mas agora é útil, tanto para você quanto para mim. Mando-o de
volta a você, como se fosse o meu próprio coração. Gostaria de mantê-lo comigo
para que me ajudasse em seu lugar enquanto estou preso por causa do evangelho.
Mas não quis fazer nada sem a sua permissão, para que qualquer favor que você
fizer seja espontâneo, e não forçado. Talvez ele tenha sido separado de você
por algum tempo, para que você o tivesse de volta para sempre, não mais como
escravo, mas, acima de escravo, como irmão amado. Para mim ele é um irmão muito
amado, e ainda mais para você, tanto como pessoa quanto como cristão”.
O impacto do evangelho
A carta a Filemom nos presta um belo testemunho do poder do
evangelho de Cristo para curar o coração, restaurar relacionamentos e construir
uma nova cultura no meio do caos de injustiça que era o Império Romano, e ainda
o é o mundo contemporâneo. Mas como Paulo a escreveu? De que maneira ele,
artesão de palavras, construiu seu argumento?
Tendo em vista a dificuldade de se praticar o perdão, que
era o que Filemom deveria fazer com Onésimo, primeiro (como já vimos em
mensagens anteriores), o apóstolo tratou de estabelecer o papel da comunidade
do amor neste doloroso exercício (vs. 1 a 3). Em seguida, ele demonstrou a
necessidade que temos de viver sob a influência do amor para se ser capaz de
perdoar (vs. 4 a 7). Agora, tendo ele já tratado do papel e da importância da
igreja (mesmo que indiretamente nos versículos 1 a 3) e tendo ele já
demonstrado o poder da influência (também indiretamente nos versículos 4 a 7),
no miolo da carta (vs. 8 a 16), Paulo vai direto ao ponto: “Filemom, receba
Onésimo, perdoe-o, trate-o não mais como escravo, mas como irmão em Cristo Jesus,
nosso Senhor”.
Eis então o que temos nesta carta: o evangelho nos
impulsiona ao amor, à prática do amor, com o mesmo tipo de amor que nós
recebemos do Senhor Jesus Cristo; precisamente esse tipo de vida e de amor era
o que Paulo almejava extrair de Filemom. O apóstolo queria que seu filho na fé
praticasse o amor que flui do evangelho e perdoasse, e ele sabia que isso só
seria possível pelos seguintes: 1 - O amor que provamos de Deus nos constrange
a amar (vs. 8 e 9); 2 - A transformação pela qual nós passamos em Cristo nos
liberta para a amar (vs. 10 a 12); 3 - A cosmovisão que pelo Espírito nós
construímos a partir da Escritura nos ensina a amar (vs. 13 a 16).
O amor que nos constrange a amar
Para conseguirmos praticar a fé e as boas obras, para sermos
capazes de amar, segundo o evangelho de Cristo, a primeira coisa que nós
precisamos é ser constrangidos pelo amor a praticar o amor e amar. Ouça como
Paulo escreveu a Filemom, versículos 8 e 9 “Por isso, mesmo tendo em Cristo
plena liberdade para mandar que você cumpra o seu dever, prefiro fazer um apelo
com base no amor. Eu, Paulo, já velho, e agora também prisioneiro de Cristo
Jesus”.
Observe com atenção o tom do apelo de Paulo. Ele reconhece
que seu papel é ser o porta-voz inspirado de Cristo Jesus, e nesse papel de
embaixador de Deus e de Cristo (Efésios 6.20; 2 Coríntios 5.20), nesse papel de
ministro da reconciliação (2 Coríntios 5.19 e 20) o apóstolo tinha autoridade
para exigir obediência de Filemom “ainda que pudesse exigir (do grego, epitasso:
mandar, ordenar, comandar) em Cristo que você faça o que é certo”, disse Paulo
no versículo 8. Em que pesasse toda a sua autoridade e direito apostólicos,
leia o versículo 9 mais uma vez e veja como ele preferiu agir: “prefiro pedir
com base no amor (do grego, parakaleo agape: chamar para o lado no amor ou
falar no amor ou solicitar no amor) eu, Paulo, já velho e agora prisioneiro de
Cristo Jesus”. Uma ordem não nos constrange a amar, atitude de amor sim.
Apesar de nossa versão bíblica trazer como tradução o adjetivo
“velho”, no versículo 9, no original grego é (presbutes), de onde vem o
adjetivo “presbítero”. Realmente, “presbítero” carrega também a ideia de
“velho” ou “ancião” e certamente Paulo poderia estar se valendo desse seu
status para, de alguma forma, constranger Filemom (visando a lhe mostrar que em
Cristo todos nós, de alguma forma, pagamos um preço). Em outras palavras: “Eu,
Paulo, apesar de velho, idoso, estou preso por causa do evangelho de Cristo
Jesus, estou pagando um preço. E você, Filemom, deveria perdoar por causa do
evangelho de Cristo. Enquanto a prisão é o meu preço no momento, o perdão é o
seu”.
Entretanto, tendo em vista que Paulo estava dizendo que ele
poderia exigir que Filemom fizesse o que era certo, parece que a utilização do
adjetivo (presbutes) comunica algo diferente de apenas um status de momento (um
idoso que está preso por uma causa), comunica antes um status de autoridade (a
autoridade de um presbítero, um embaixador). “Embaixador”, aliás, é a forma
como nossa versão bíblica escolheu traduzir a palavra (presbeuo) em Efésios
6.20, que tem a mesma raiz de (presbutes) em Filemom 9, ou seja: quando Paulo
escreveu da prisão aos efésios, ele se descreveu como um “presbeuo em cadeias”
ou um “embaixador em cadeias” (Efésios 6.20 “pelo qual sou embaixador preso em
correntes...”).
Portanto, Paulo parece, de fato, estar dizendo o seguinte
(v. 9): “Eu, Paulo, embaixador/presbítero e agora também prisioneiro de Cristo
Jesus, poderia exigir de você que fizesse o que é certo”. Percebeu? O apóstolo
diz ser embaixador de Cristo. Ele está enfatizando sua autoridade. Ele é o
apóstolo, o embaixador de Cristo, então tudo aqui, desde seu ofício e postura,
incluindo suas correntes e seu sofrimento na prisão por causa do evangelho, destaca
e leva à consciência de Filemom os direitos de Paulo relativo à obediência de
Filemom à verdade das Escrituras.
Apenas um aparte, pois é digno de nota: Quando alguém se
torna cristão, a autoridade apostólica o compele ou mesmo o obriga a fazer o
que é certo pelos parâmetros da Bíblia. Um cristão deve se submeter e se
sujeitar à autoridade de Cristo, falando através dos profetas e dos apóstolos
nas Sagradas Escrituras. Paulo, com efeito, estava constrangendo Filemom à
obediência, vinculando a consciência dele (Filemom) à autoridade da revelação
divina através de sua (Paulo) autoridade como embaixador de Deus e de Cristo. A
lição para os cristãos não poderia ser mais clara: Quando a Palavra apostólica,
nas Escrituras, emite uma ordem ou comando, o crente em Cristo dobra o joelho
em submissão e se levanta rapidamente em obediência, não importando da boca de
quem que ela saia. Filemom que nos diga!
Paulo, porém (e nós já vimos isso), opta por não usar sua
autoridade. Em vez disso, veja como ele se aproxima de Filemom (v. 9): “Sou
apto o bastante, ou sou audaz o bastante, em Cristo, como presbítero ou
embaixador de Cristo que sou, para ordenar que você faça o que é correto, mas,
prefiro apelar a você com base no amor”. Percebeu? Com base no amor, Paulo faz
o apelo, não com base na autoridade. A voz não é de comando (apesar de que
poderia ser), mas de constrangimento pelo amor. Amor que tinha sido uma
característica marcante da vida de Filemom desde sua conversão. Paulo até o
elogiou por causa do amor que ele tinha por todo o povo santo (v. 5); inclusive
expressou a alegria e o conforto que sentia por ouvir dizer o quanto a bondade
e o amor de Filemom refrigeravam ou revigoravam o coração do povo santo (v. 7).
O apóstolo, portanto, sabia que Filemom era um líder cristão fiel e piedoso,
alguém que se destacava acima da média por causa de seu amor sacrificial,
generoso e fiel por todo o povo de Deus, fruto de sua fé em Jesus Cristo (v.
5).
Amor é o que também ouvimos pulsar no coração do apóstolo
Paulo. Ele declara seu amor por Onésimo, chamando-o de filho, posto que se
tornara pai dele na fé quando esteve com ele na prisão (v. 10). No versículo
12, o apóstolo o chama de “meu próprio coração” e no versículo 16, “um irmão
amado, especialmente para mim”. Não se trata de uma ladainha pastoral fria e
distante, com o intuito de alguma forma, convencer Filemom com palavras
carregadas de segundas intenções. As palavras de Paulo não eram vazias ou
levianas, mas reais. Era de coração. E Filemom deveria seguir aquele modelo.
Paulo tinha uma autoridade que nenhum ministro ou servo da
Palavra hoje tem. Ele era porta-voz diretamente autorizado da parte de Deus e
de Cristo Jesus, inspirado pelo Espírito Santo a falar a palavra de Deus. No
entanto, ao procurar ajudar Filemom a superar, digamos, seus sentimentos
feridos, talvez até algum constrangimento público causado por Onésimo, algum
prejuízo material, ao orientar Filemom a pensar e agir de forma cristã,
respondendo àquela situação de uma maneira totalmente diferente das respostas padrão
do mundo, ele age e fala com base no amor. Ele quer êxito pelo amor. Afinal, é
o amor que deve nos constranger a agir com amor.
Já pensou como os cristãos teriam agido diferentemente ao
longo dos séculos se tivessem se curvado a este ensino de Paulo? Por exemplo:
as Cruzadas não teriam acontecido (1095-1492), massacres em nome da fé cristã
não teriam ocorrido, as bruxas de Salém não teriam sido queimadas, e tanto,
tanto mais não teria sido brutalmente praticado em nome da “verdade” cristã e
sob a “autoridade” de algum cristão. Ações “com base no amor” (v. 9) teriam nos
permitido a escrever uma história totalmente diferente.
Um dos meus versículos preferidos em toda a Bíblia está em 2
Coríntios 5.13 a 15, e dizem o que segue: “Se enlouquecemos (para os intelectuais,
para os gregos ou sábios deste mundo, cf. 1Co 1.23), é por amor a Deus; se
conservamos o juízo (freamos as paixões), é por amor a vocês. Pois o amor de
Cristo nos constrange, porque estamos convencidos de que um morreu por todos;
logo, todos morreram. E ele morreu por todos para que aqueles que vivem já não
vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou”.
O amor de Cristo que nos impulsiona ou constrange é o que
nos move a não viver mais para nós mesmos, mas para Cristo e para o próximo.
Isto é o que de fato glorifica a Deus. Filemom até poderia obedecer a Paulo,
submetendo-se à autoridade do apóstolo, fazendo o que era certo (v. 8), mas se
não fosse com base no amor, constrangido pelo amor, não seria de coração (v.
9), não glorificaria o nome de Cristo, tampouco honraria o irmão Onésimo.
Cristianismo não é moralismo: faça x não faça; pode x não
pode; obedeça, simplesmente; faça porque eu estou mandando. Nada disso!
Cristianismo é cabeça e coração; é ter uma nova maneira de pensar e um novo
coração que se constrange a amar. Você tem esse coração, esse novo coração? Ele
é fruto do novo nascimento. Deus, pelo poder do Espírito Santo, nos regenera, nos
dá um novo coração e uma nova disposição para reconhecer, arrepender, crer,
amar e agir com base no amor. O amor que provamos de Deus, na vida e na obra de
Cristo, nos constrange a amar.
Benjamin Franklin não conseguiu amar o filho e perdoar o
filho. Era um homem de resoluções e de disciplina. Buscava e cultivava virtudes
morais, mas fracassou feio. Talvez por nunca ter provado do amor de Deus em
Cristo, por buscar viver moral e virtuosamente na força de sua própria vontade.
Realmente, ele fez muita coisa, conseguiu muito êxito, foi muito mais ético e
moral do que a maioria, mas não era movido pelo amor de Cristo.
Quer ver uma coisa?
Benjamim Franklin era amigo pessoal de George Whitefield, pastor
anglicano itinerante, que ajudou a espalhar o Primeiro Grande Avivamento na
Grã-Bretanha e, principalmente, nas colônias britânicas norte-americanas.
Admirava o pregador, a ponto de dizer: “(Ouvi-lo) Era um prazer muito
semelhante ao que se obtém ouvindo uma excelente peça de música”. (Franklin,
posição 1885) Mas ele admirava apenas o caráter e a eloquência do homem de
Deus. Aos cristãos ele se referia como “seita” (posição 1892). E tudo o que
fazia em favor de Whitefield (ou de qualquer outra pessoa), não passava de
gentileza ou generosidade humanista mesmo. Ouça, Benjamin Franklin em suas
próprias palavras:
“(George Whitefield e eu) não mantínhamos ligação religiosa.
Com efeito, ele costumava, por muitas vezes, orar pela minha conversão, mas
nunca teve a satisfação de crer que suas preces fossem ouvidas. Nossa amizade
era puramente civil, sincera de ambas as partes, e perdurou até sua morte. O
seguinte exemplo mostra algo dos termos em que nos entendíamos: numa das
ocasiões em que chegou a Boston, procedente da Inglaterra, escreveu-me que
viria logo a Filadélfia, mas não sabia onde hospedar-se, pois fora informado de
que seu velho amigo e anfitrião, Sr. Benezeti havia sido removido para
Germantown. Minha resposta foi: “Você conhece minha casa; se puder ajeitar-se
em suas modestas acomodações, será muito cordialmente recebido”. Respondeu-me
que, se eu fizera esse oferecimento em consideração a Cristo, não deixaria de
receber recompensa. Repliquei: “Não se iluda; não foi em consideração a Cristo,
mas em consideração a você”. Um de nossos amigos comuns observou que, sabendo
ser costume dos santos, quando recebiam um favor, transferir o peso da
obrigação de seus próprios ombros e colocá-lo no céu, eu havia conseguido
fixá-lo na terra. A última vez que vi o Sr. Whitefield foi em Londres, quando
me consultou sobre seu orfanato e sua intenção de destiná-lo ao estabelecimento
de um colégio”. (Posição 1865-1872).
Benjamin Franklin agia por mera obrigação imposta pela
virtude moral. Não agia com base no amor (de Cristo). Por isso ele nunca
conseguiu perdoar o filho, porque é o amor que nós provamos de Deus em Cristo
que nos constrange pelo Espírito a amar… a servir… a perdoar e muito, muito
mais. Sabedor disso, não querendo uma atitude simplesmente moralista, Paulo
escreveu a Filemom (vs. 8 e 9 “Por isso, mesmo tendo em Cristo plena liberdade
para mandar que você cumpra o seu dever, prefiro fazer um apelo com base no
amor. Eu, Paulo, já velho, e agora também prisioneiro de Cristo Jesus”).
O amor nos constrange a amar.
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