Filemom 1.1 a 25 “Paulo, prisioneiro de Cristo Jesus, e o irmão
Timóteo, a você, Filemom, nosso amado cooperador, à irmã Áfia, a Arquipo, nosso
companheiro de lutas, e à igreja que se reúne com você em sua casa. A vocês,
graça e paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo. Sempre dou
graças a meu Deus, lembrando-me de você nas minhas orações, porque ouço falar
da sua fé no Senhor Jesus e do seu amor por todos os santos. Oro para que a
comunhão que procede da sua fé seja eficaz no pleno conhecimento de todo o bem
que temos em Cristo. Seu amor me tem dado grande alegria e consolação, porque
você, irmão, tem reanimado o coração dos santos. Por isso, mesmo tendo em
Cristo plena liberdade para mandar que você cumpra o seu dever, prefiro fazer
um apelo com base no amor. Eu, Paulo, já velho, e agora também prisioneiro de
Cristo Jesus, apelo em favor de meu filho Onésimo, que gerei enquanto estava
preso. Ele antes lhe era inútil, mas agora é útil, tanto para você quanto para
mim. Mando-o de volta a você, como se fosse o meu próprio coração. Gostaria de
mantê-lo comigo para que me ajudasse em seu lugar enquanto estou preso por
causa do evangelho. Mas não quis fazer nada sem a sua permissão, para que
qualquer favor que você fizer seja espontâneo, e não forçado. Talvez ele tenha
sido separado de você por algum tempo, para que você o tivesse de volta para
sempre, não mais como escravo, mas, acima de escravo, como irmão amado. Para
mim ele é um irmão muito amado, e ainda mais para você, tanto como pessoa
quanto como cristão. Assim, se você me considera companheiro na fé, receba-o
como se estivesse recebendo a mim. Se ele o prejudicou em algo ou lhe deve
alguma coisa, ponha na minha conta. Eu, Paulo, escrevo de próprio punho: Eu
pagarei para não dizer que você me deve a sua própria pessoa. Sim, irmão, eu
gostaria de receber de você algum benefício por estarmos no Senhor. Reanime o
meu coração em Cristo! Escrevo-lhe certo de que você me obedecerá, sabendo que
fará ainda mais do lhe que peço. Além disso, prepare-me um aposento, porque,
graças às suas orações, espero poder ser restituído a vocês. Epafras, meu
companheiro de prisão por causa de Cristo Jesus, envia-lhe saudações, assim
como também Marcos, Aristarco, Demas e Lucas, meus cooperadores. A graça do
Senhor Jesus Cristo seja com o espírito de todos vocês”.
A relevância da fé cristã
Os cristãos são geralmente acusados de omissão. Costumam dizer que
não somos pela justiça social, não nos importamos com a causa dos pobres, não
nos manifestamos contra racismo, violência ou injustiças cometidas contra
minorias. Por aí vai. A mensagem que se prega é que nós cristão nos alienamos
com a história da vida eterna e deixamos a cabeça lá no céu, nas coisas
celestiais, enquanto tudo e todos se explodem aqui na terra.
É verdade que ao longo da história pessoas e grupos em nome do
cristianismo cometeram todos os tipos de injustiça contra o ser humano. Não
precisamos aqui ficar pontuando algumas dessas barbaridades. É também verdade
que houve omissões igualmente lastimáveis por parte daqueles que se diziam
cristãos, quando não uma ação direta de injustiça cometida contra o próximo.
Com efeito, para a nossa vergonha, em nome da fé, todo tipo de abuso já foi
cometido por parte daqueles que diziam estar seguindo a Bíblia, de violência
doméstica, abuso infantil ou racial aos tiranos nacionalistas ou imperialistas
que apareceram na história. É uma vergonha, uma tristeza, mas é verdade.
O problema, no entanto, não está na Bíblia, no Deus da Bíblia ou
no Cristo dos cristãos. Prova é que uma olhada mais honesta nos anais da
história revelará o quanto o cristianismo contribuiu para a causa dos direitos
humanos e tantas outras questões sociais que nos são tão caras. Dentre tantos
avanços, estamos falando, por exemplo, da democracia, da liberdade de expressão
e da abolição da escravatura. Há muito mais. Pesquise e veja.
O professor Adauto Lourenço, um dos maiores cientistas cristãos em
atividade, dedicando-se também a ensinar sobre apologética, que é a defesa da
fé cristã, tem uma frase que é irretocável: “A ciência devidamente estabelecida e a Bíblia, corretamente
interpretada, não entrarão em contradição”. Eu parafrasearia esta afirmação
verdadeira da seguinte maneira: “A
Bíblia, corretamente interpretada e praticada no Espírito, longe de ser fonte
de atraso científico, autoritarismo, repressão ou abuso de qualquer natureza,
promoverá a salvação do indivíduo e a verdadeira justiça social”.
A fé cristã, portanto, corretamente pautada pelas Escrituras e
corajosamente praticada no poder do Espírito Santo, é de uma relevância
inigualável para todas as culturas e épocas. Filemom é um exemplo claro do que
estamos dizendo. Trata de justiça e de perdão.
Quem nunca precisou perdoar? Quem nunca desejou que se fizesse
justiça? Quem nunca foi lesado por alguém? Quem nunca precisou pedir perdão?
Quem nunca teve de restituir alguma coisa a alguém? Percebeu? Esses são
problemas reais! Ferem lá fora, em níveis sociais, e machucam aqui dentro, nas
relações interpessoais nas camadas mais diversas: familiar, eclesiástica,
profissional, etc.
O caso de Floyd, o homem negro que foi morto pelo policial branco
em Minnesota. A esposa que foi traída. O filho que furtou os pais. Pare e
pense. Como lidar com essas questões reais? Como perdoar? Como agir, enquanto
cristãos, para que questões como essas sejam definitivamente sanadas, a justiça
estabelecida e a paz desfrutada? A resposta do cristianismo é o amor, o amor
que flui do evangelho de Jesus Cristo. O amor faz justiça. Essa verdade nos
traz mais uma vez à carta de Paulo a Filemom.
A aplicação da justiça e o restabelecimento da paz
A verdadeira fé cristã diz respeito à justiça. A justiça de Deus.
A justiça entre os homens. Mas quando falamos em justiça, sem que se tenha algo
concreto, fica difícil de se conceituar ou de se conceber. Precisamos de casos
concretos. Filemom é um caso concreto. Lemos a carta toda no início. Aliás, se
você está acompanhando a série, esta foi a segunda vez que nós lemos a carta a
Filemom.
Você percebeu que a carta está cheia de gente? Contamos 12 pessoas
diferentes nos 25 versículos desse documento tão pequeno. Além de Paulo,
Filemom e Jesus, nós temos Timóteo, Áfia, Arquipo, Onésimo, Epafras, Marcos,
Aristarco, Demas e Lucas. Dessa dúzia de gente, destacaremos os três casos mais
detalhados e que nos sãos apresentados nessa miniatura do Novo Testamento.
A necessidade era de que justiça fosse feita e a paz fosse
restabelecida. Trocando em miúdos, alguém necessitava de perdão, alguém tinha a
oportunidade de perdoar e alguém estava encorajando o perdão. À medida que
examinamos esses casos, oro para que você consiga enxergar a relevância da fé
cristã para a sua vida e para o cenário atual, em nível global. Oro ainda para
que possamos todos aprender o jeito cristão de se buscar a justiça.
A necessidade de perdão: Onésimo
Podemos reconstruir a história de Onésimo a partir de alguns
versículos da carta mesma. Paulo refere-se a Onésimo como alguém que “já não é
um escravo”, sugerindo que a posição anterior dele era de escravo (v. 16).
Falaremos mais sobre a escravidão no período bíblico (e como o cristianismo
cooperou para colocar um ponto final nessa desumanidade) em mensagem posterior.
Por ora, basta dizer que está claro pelo texto que Onésimo era escravo ou
servo. E todo o tom da carta, em especial a partir do versículo 14, sugere que
ele era um escravo que pertencia a Filemom. No entanto, algo deu errado. No
versículo 11, Paulo refere-se ao fato de Onésimo não ter sido “de muita
utilidade (para Filemom) no passado”, ele deve ter sido um servo preguiçoso,
displicente ou malcriado. No versículo 14, Paulo reconhece que Onésimo não
poderia permanecer com ele sem o consentimento de Filemom. No versículo 15, o
apóstolo refere-se à separação de Onésimo e de Filemom como algo que precisava
ser de algum modo esclarecido. Então, no versículo 18, Paulo é mais claro, parece
que Onésimo agiu errado com Filemom e estava em débito com ele. Paulo não é
mais específico do que isso, mas pelas palavras do versículo 18 “se ele o
prejudicou de alguma forma ou se lhe deve algo, cobre de mim”, muitos especulam
que Onésimo deve ter roubado algo de Filemom e, depois, com medo do castigo e
da justiça, tenha fugido. Qualquer que seja a razão, Onésimo abandonou Filemom
de forma ruim e deixou algo pendente, não resolvido.
Após a fuga, de algum modo, Onésimo acabou conhecendo Paulo.
Parece que uma vez na companhia do apóstolo em Roma (lugar perfeito para um
fugitivo tentar se esconder), ele tornou-se “útil” (v. 11). Mais que isso, ele
tornou-se cristão. No versículo 10, Paulo diz: “meu filho Onésimo. Tornei-me
pai dele na fé quando estava aqui na prisão”. Ora, parece que Paulo, sempre
intencional em tudo que fazia, ganhou Onésimo para o Senhor Jesus Cristo,
enquanto estava na prisão. E Onésimo, após encontrar a verdadeira fé, tornou-se
“útil” e “irmão amado” para Paulo (vs. 11 e 16). O coração de Paulo ligou-se ao
de Onésimo de tal forma que, referindo-se a ele, falou: “Eu o envio de volta a
você, e com ele vai meu próprio coração” (v. 12).
Após sua conversão, Onésimo precisava reparar os erros que
cometeu. Filemom poderia se dispor a libertá-lo de sua obrigação, mas Onésimo
teria de começar o processo de restauração, pedindo perdão e oferecendo-se,
antes de tudo, para restituir Filemom, qualquer que fosse o dano que suas ações
e subsequente fuga pudessem ter causado ao patrão. Pois bem, Onésimo retorna a
Filemom em grande necessidade de perdão. Filemom precisava recebe-lo de volta,
primeiro em seu coração e depois em sua casa para o serviço e para a amizade.
Em outras palavras: o relacionamento precisava ser restaurado. Onésimo
precisava que Filemom o perdoasse, e por isso, Paulo envia Onésimo de volta
para Filemom.
Outra coisa: Onésimo retorna a Filemom para restituí-lo. Sim,
existia também a questão da restituição. O que Onésimo podia fazer?
Aparentemente, ele roubou algum bem de Filemom. Com certeza, ele roubou horas
de trabalho. Ele precisava ressarcir Filemom, mas como podia fazer isso?
Certamente que ele não tinha recursos para bancar a dívida com Filemom. Nem
mesmo Paulo, que se ofereceu para pagar, tinha os recursos (vs. 18 e 19). Na
pior das hipóteses, Onésimo restituiria com trabalho. Ao retornar para casa, o
servo não vai apenas com a necessidade de ser perdoado e de restituir o patrão.
Onésimo volta para casa valorizado. Fica claro que Paulo valoriza Onésimo em
altíssima estima. A ponto de ele pedir a Filemom: “Sim, meu irmão, faça-me essa
gentileza no Senhor. Reanime meu coração em Cristo”! (v. 20). Paulo,
provavelmente, desejava que Filemom desse as boas-vindas a Onésimo com o devido
perdão, movido pelo amor. Afinal, Paulo já tinha dito no versículo 9: “prefiro
pedir com base no amor”. Reanimar o coração de Paulo era a mesma coisa que
reanimar o coração de Onésimo. Essa valorização amorosa por parte de Filemom
cobriria a multidão de pecados de Onésimo e alegraria todas as partes,
especialmente o coração de Paulo.
O apóstolo ainda vai além. Onésimo precisava de perdão, restituir
o patrão e ser valorizado. Mas tinha algo mais no coração de Paulo para Onésimo.
Repare no pedido do apóstolo no versículo 22: “Por favor, prepare um quarto
para mim, pois espero que minhas orações sejam respondidas e eu possa voltar a
visitá-lo em breve”. Ou seja: Paulo pretendia chegar junto e acompanhar de
perto o desenrolar daquela história. Portanto, esse é Onésimo, o servo que
roubou, fugiu e encontrou Paulo, e, ao encontrar Paulo, encontrou Cristo e o
caminho de volta para casa. Esse Onésimo, um belo dia, aparece na casa de
Filemom com nada menos que uma carta de Paulo nas mãos. A carta, aliás, trazia
as seguintes palavras (v. 19): “Eu, Paulo, escrevo de próprio punho: Eu
pagarei. E não mencionarei que você me deve a própria vida”. Uau!
Você consegue imaginar o ex-escravo em pé à porta de entrada da
casa de seu ex-patrão, quando a porta foi aberta, precisando de perdão, sendo
incapaz de ressarcir e sendo cuidado apenas por alguém que está em uma prisão
distante dali?! Em certo sentido, o desamparo desse ex-escravo é incomparável.
Ele não pode oferecer nada e merece punição, merece castigo. Contudo, ele
permanece lá sem desculpas para apresentar. Apenas com a verdade, e a carta de
Paulo na mão.
Onésimo é o retrato de alguém que precisa de perdão. Você
perdoaria Onésimo?
A oportunidade de perdoar: Filemom
Agora, olhemos para o retrato de alguém que tem a oportunidade de
perdoar: Filemom. Tudo que acabamos de dizer que Onésimo precisa, Filemom é
chamado a suprir.
Primeiro,
a obrigação de Filemom: Perdoar. Considere o escopo do perdão que
Paulo pede a Filemom: Filemom precisava dar as boas-vindas a Onésimo, acolhê-lo
em amor. O apóstolo pede a Filemom que receba Onésimo (v. 17). Ele é
requisitado a abrir os braços para a mesma pessoa que (provavelmente) o roubou
e, depois, abandonou-o. É requisitado a convidar esse homem a voltar para sua
casa. Mas pode-se confiar nesse homem? Filemom terá de contar os talheres de
prata todos os dias? Terá de verificar o troco toda vez que Onésimo voltar do
mercado? Terá de vigiar as galinhas?
Filemom precisava ainda transferir ou absorver a dívida de Onésimo.
Claro que receber Onésimo talvez também significasse dizer que Filemom pediria
que Paulo reembolsasse qualquer débito pendente. É interessante o fato de Paulo
não dizer apenas: “Perdoe e esqueça, Filemom. Isso tudo é passado. Vamos deixar
isso para trás”. Mas não, o apóstolo reconhece uma dívida genuína que precisa
ser paga. Ele diz a Filemom (v. 18): se Onésimo “o prejudicou de alguma forma
ou se lhe deve algo, cobre de mim”. Será que Filemom entendeu essa fala como:
“Absorva a perda, Filemom”. Fico pensando: será mesmo que Filemom enviaria a
conta de Onésimo para o grande apóstolo, enfraquecido e já velhinho em uma
prisão romana? Fazer isto seria o mesmo que gastar a aposentadoria da avó em
trivialidades. Não é o tipo de coisa que uma pessoa séria faria! Contudo,
parece que parte do perdão concedido a Onésimo envolvia resolver o débito em
que Onésimo incorreu. Fosse isso absorver a perda ou solicitar a um apóstolo
idoso e preso que pagasse a conta, o fato é que era necessário lidar com a
situação; a dívida era parte do problema. Perdoar Onésimo envolvia Filemom
levar em conta esses problemas reais. Eles não podiam simplesmente ser varridos
para baixo do tapete.
Cuidar de Onésimo. Perdoar Onésimo também acarretava cuidar dele.
Paulo afirma claramente que consideraria a bondade de Filemom com Onésimo como
dirigida a ele mesmo. Isso quer dizer que Filemom não podia apenas deixar
Onésimo voltar para casa a contragosto. Paulo pedia mais que isso. Filemom
teria de deixá-lo voltar para sua casa e para seu coração (v. 9 “com base no
amor”). Teria de perdoar genuinamente, de coração, os vários erros cometidos
contra ele. Teria até mesmo que redobrar o cuidado afetuoso ao relacionamento
dele como Onésimo. Filemom precisava receber Paulo. Filemom teria que contar
como certa a supervisão de Paulo sobre as atitudes dele. Ele não só teria de
perdoar, mas teria de demonstrar que perdoou Onésimo. Certa dose de prestação
de contas fazia parte desse perdão. Ele teria de preparar explicações para seus
atos ou para a ausência deles para quando Paulo o fosse visitar (v. 22).
Filemom tinha a obrigação de perdoar. Você perdoaria?
Segundo, a
situação de Filemom: Nada fácil. Vimos o escopo do perdão que Paulo
pediu a Filemom. Consideremos agora a quem Paulo pede que Filemom perdoe. A
situação de Filemom não era fácil.
O papel de Filemom na igreja. Fica evidente que Filemom tinha um
papel proeminente na igreja. Provavelmente, ele era um dos poucos que tinham
relacionamento pessoal com Paulo. Filemom vivia em Colossos, e Paulo nunca
esteve naquela cidade, todavia, parece que Paulo mesmo foi o instrumento que
levou Filemom ao Senhor (v. 19 “você me deve sua própria vida”), provavelmente
quando, vários anos antes, Paulo esteve na vizinhança, em Éfeso. Portanto,
Filemom é um dos poucos da congregação que podia se vangloriar de que conhecia
de fato o grande apóstolo. Paulo não escreveu essa carta “para a igreja”; ele a
escreveu especialmente para Filemom (v. 1). Além disso, observamos que Filemom
tinha um padrão econômico suficiente para contratar servos e era generoso o
bastante para oferecer sua casa como local de reunião para a igreja colossense
(v. 2). Fica claro que Filemom era um líder da igreja. Filemom precisava
perdoar Onésimo.
A dificuldade para Filemom perdoar. Quão difícil pode ser perdoar?
No mundo antigo, o perdão não era uma coisa considerada louvável. Você e eu
podemos pensar: “Vamos, Filemom, concorde em perdoá-lo. É a coisa certa afazer.
Deixe de ser teimoso”. Todavia, nem ele nem ninguém no mundo dele seria
engrandecido ou reconhecido e aclamado por pensar assim. O fato de ele perdoar
Onésimo seria visto como uma demonstração de fraqueza. Ele poderia trazer
vergonha sobre si mesmo diante de seus conhecidos por tratar dessa maneira um
empregado, ou servo contratado, que o roubou e fugiu. Talvez ele se preocupasse
com o fato de que seu perdão estimulasse Onésimo a achar que seu crime tivesse
sido pouca coisa. Talvez isso também encorajasse outros a seguir o exemplo de
Onésimo e os fizesse pensar que também escapariam com facilidade. Perdoar não
seria fácil. Contudo, Filemom é requisitado a perdoar.
A obrigação de Filemom de perdoar. Depois de considerar tudo,
Filemom não é obrigado a perdoar Onésimo? Quando você pensa nas súplicas de
Paulo, no papel público de Filemom na igreja e no fato de que ele conheceu o
perdão de Deus em sua vida, Filemom poderia fazer outra coisa além de perdoar
Onésimo, por mais doloroso que isso fosse? No versículo 6, Paulo diz: “Oro para
que você ponha em prática a comunhão que vem da fé, à medida que entender e
experimentar todas as coisas boas que temos em Cristo”. Paulo está falando
sobre expressar o perdão cristão a um irmão “praticar a comunhão que vem da fé”. Quando Filemom acolhesse
Onésimo de volta e o restaurasse, ele teria uma compreensão mais plena do que
Deus fez por ele em Cristo. Teria um conhecimento mais pleno dos tesouros de
sua fé cristã. Experimentaria o bem do evangelho.
Fica claro que Filemom é o retrato de alguém que tem a
oportunidade de perdoar. Fosse você nesta foto, você perdoaria?
O privilégio de encorajar o perdão: Paulo
Há mais um retrato nessa história, o retrato da pessoa que
encoraja o perdão, Paulo. Paulo é a pessoa que, de alguma maneira, interceptou
Onésimo. Paulo é a pessoa que compartilhou o evangelho com ele. E Paulo é a
pessoa que, agora, envia-o de volta e escreve essa carta para acompanhá-lo. O
orquestrador de tudo isso é Paulo.
O apelo de Paulo. Paulo apela a Filemom em termos vagos. Ele diz:
“receba-o” (v. 17). Então, ele acrescenta uma frase importante: “como receberia a mim”. Essa é a única
coisa que Paulo pede diretamente em favor de Onésimo. No restante da carta, ele
expressa todos os seus pedidos como se fossem para ele mesmo, Paulo. Ele faz
isso de três maneiras.
Primeiro, Paulo pede que Filemom cobre dele mesmo quaisquer
débitos que precisem ser ressarcidos (versículo 18). Ele está disposto a
assumir a conta para que ocorra o perdão e o relacionamento seja restaurado.
Hoje, é muito comum, aqueles que trabalham para restaurar relacionamentos nos
cobrarem pela ajuda que nos dão. Mas Paulo é diferente. Ele afirma: “Cobre de
mim! Estou disposto a dedicar tempo, a reverter o problema, fazer qualquer
esforço ou investimento para ver o relacionamento de vocês restaurado”.
Segundo, conforme já observamos, Paulo faz-se o objeto do apelo ao
pedir a Filemom: “Reanime meu coração em Cristo” (v. 20). Paulo identifica-se
tão sinceramente com Onésimo que diz a Filemom: “Se fizer isso pela pessoa que
amo é como se fizesse para mim. Importo-me com ele esse tanto, e isso é o quão
importante é para mim que esse relacionamento seja restaurado”. Paulo investe
totalmente a si mesmo nesse caso.
Terceiro, ele está disposto a gastar até mesmo o seu capital
pastoral para ver esse perdão e essa restauração ocorrerem, pedindo a Filemom
que prepare um quarto para ele (v. 22). Agora, você acha que Paulo decidiu
parar naquela cidade que nunca havia visitado antes só porque fazia parte de
seu itinerário? Não, Paulo estava disposto a investir tempo naquele
relacionamento que precisava ser restaurado. Então, ele viajaria e checaria de
perto como a carta havia sido recebida por Filemom.
O método de Paulo
Também devemos perceber o método de Paulo. Ele é insistente! Não é
difícil imaginar como Filemom deve ter se sentido pressionado ou constrangido
para perdoar, acolher e libertar o servo outrora inútil que o havia roubado e
fugido para bem longe. Mas Filemom deveria se pautar pelo evangelho e Paulo
estava escrevendo para fazê-lo se lembrar dessa verdade, a vida se pauta pelo
evangelho de Jesus Cristo.
Como Paulo argumenta? Paulo começa tirando todas as travas dos
olhos de Filemom para ver como ele reagiria. No versículo 8, o apóstolo chega
perto de abusar de sua autoridade sobre Filemom, quando diz: “por isso, ainda
que pudesse exigir em Cristo que você faça o que é certo”. Paulo, no entanto,
não precisava chegar a esse ponto, pois sabia do amor de Filemom pelos crentes
(v. 5). Por isso, ele apela a Filemom “com base no amor” (v. 9) e na “boa
vontade” (v. 14), como se dissesse: “Demonstre amor por Onésimo (v. 9), com boa
vontade e não por obrigação (v. 14), da mesma forma que você demonstra amor por
todos os crentes (vs. 5 e 7); assim você estará demonstrando amor por mim (v.
17)”.
No versículo 11, ele argumenta que receber Onésimo seria benéfico para
Filemom, pois agora ele era cristão e agiria diferente de como foi no passado.
No versículo 12, quando Paulo refere-se a Onésimo como sendo “meu
próprio coração”, o apóstolo não deixa dúvida de como esse assunto era
importante para ele.
No versículo 13, Paulo enfatiza o sacrifício que ele mesmo faria
(privando-se da presença dele) ao mandar o servo de volta a Filemom, dando a
entender que Filemom também poderia se sacrificar, perdoando e recebendo
Onésimo.
No versículo 14, Paulo demonstra que respeita os direitos de
Filemom ao declarar: “Mas eu nada quis fazer sem seu consentimento” e, a
seguir, procura demonstrar que a perda momentânea de Onésimo redundou em grande
bem no final (v. 15): “Ao que parece, você perdeu Onésimo por algum tempo para
ganhá-lo de volta para sempre”.
No versículo 16, o apelo é feito com base no afeto cristão. Paulo
manda-o de volta, não mais como um escravo de Filemom, mas como “um irmão
amado”, alguém “muito importante, como pessoa e como irmão no Senhor”.
Enquanto, no versículo 17, Paulo age com base em algum tipo de
obrigação pessoal, ao dizer: “Portanto, se me considera seu companheiro na fé, receba-o
como receberia a mim”.
No versículo 18, Paulo se oferece para assumir os débitos de
Onésimo.
No versículo 19, Paulo escreve de próprio punho, deixando-nos a
impressão de que aquele ato estava sendo de alguma forma difícil para ele, mas
ele fazia questão que fosse assim. Portanto, quando Paulo escreve de próprio
punho, suas letras grandes (Gálatas 6.11) enfatizam a ideia: “Veja bem, esse caso é realmente importante
para mim”.
Nos versículos 20 e 21, ele faz um apelo direto: “Sim, meu irmão,
faça-me essa gentileza no Senhor. Reanime meu coração em Cristo! Escrevo esta
carta certo de que você fará o que lhe peço, e até mais”. Ou seja, Paulo chega
a esse ponto para promover perdão e cura para esse relacionamento.
Não considere que Paulo esteja sendo abusivo ou desonroso em seu
método. Se você e eu apenas nos empenhássemos dessa maneira com o propósito de
conseguir perdão e reconciliação, talvez fôssemos mais bem-sucedidos em nossas
tentativas e a sociedade seria melhor. Então eu te pergunto: o ponto a que
Paulo chega faz com que você se lembre de alguém em particular? Talvez o
próprio grande pacificador, Jesus Cristo, não é mesmo? Paulo está seguindo o
exemplo de seu Mestre, que ia até mais longe para promover a paz.
Paulo é o retrato de alguém que encoraja o perdão, até mesmo apela
para consegui-lo. Você agiria assim? Você é um pacificador?
O Amor faz Justiça
O pano de fundo da carta de Paulo a Filemom é a injustiça e a
necessidade de pedir e de conceder perdão. Certamente Onésimo, em diversos
momentos, sentiu-se e, de fato, deve ter sido injustiçado pelo seu senhor. Arrisco
dizer que, calçado desse sentimento de indignação, talvez de ódio, sentindo-se
minoria e massacrado, agiu para roubar e fugir. Deve ter achado que assim
estaria fazendo justiça.
Filemom, por outro lado, certamente se sentiu defraudado. O
sentimento, por certo, efervescia na sua alma na medida em que se lembrava de
tudo que havia feito pelo servo, desencadeando em ressentimento e até desejo de
vingança, travestido de justiça. Ele talvez precisasse de ajuda para perdoar.
Ainda bem que Paulo o ajudou!
É nesse contexto que Paulo, como vimos, entra em cena e os fez
lembrar, cristãos que eram Filemom e Onésimo, que nada está mais próximo do
cerne da fé cristã que o reconhecimento da nossa necessidade de perdoar por
causa da nossa necessidade de sermos perdoados em Cristo, ou perdoar pelo
constrangimento de termos sido, imerecidamente, perdoados em Cristo.
Nessa breve carta, na qual ainda nos aprofundaremos, hoje nós
observamos três retratos em miniatura de como a fé cristã se manifesta ou deve
se manifestar em nós.
Como Paulo, somos pacificadores, somos chamados a pacificar. Jesus
disse assim (Mateus 5.9 “Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados
filhos de Deus”). Há algo particularmente semelhante a Cristo em relação ao
pacificador que Paulo personifica tão bem nessa carta. Pacificadores que saem
do seu caminho, como Paulo faz nessa carta, empenhando-se com todo seu poder
para trazer reconciliação, lembram Jesus. Se tivermos a verdadeira fé cristã,
ser pacificador é uma característica da nossa vida.
Como Filemom, devemos perdoar, buscar a reconciliação. Se tivermos
a verdadeira fé cristã, também aproveitaremos todas as oportunidades, como a
que se apresentou diante de Filemom, para perdoar os outros. O perdão
caracterizará nossa resposta às injustiças, grandes e pequenas, pessoais e
coletivas, familiares e sociais. Lembre-se, Jesus ensinou seus discípulos a
orar (Mateus 6.12 “Perdoa as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos
devedores”. Você realmente quer fazer essa oração? Pense com muito cuidado
nessa frase antes de orar o Pai Nosso de novo. Você realmente quer ser perdoado
da mesma forma como perdoa os outros?
Como Onésimo, todos temos necessidade de perdão. Se temos a
verdadeira fé cristã, reconhecemos nossa necessidade de perdão.
Precisamos do perdão dos outros: Sabemos, como Onésimo, que
precisamos ser perdoados pelos outros. Não nos tornamos cristãos apenas para
enrolar um véu de virtude em torno de nosso coração e de nossa vida e fingir
que somos justos diante do mundo. Ao contrário, oramos para que Deus arranque o
verniz, nossa pretensa justiça, e faça-nos confiar só na justiça de Cristo.
Portanto, não podemos ficar ofendidos com a realidade de que nós também pecamos
contra os outros. Se formos cristãos, como Onésimo, necessariamente
reconhecemos que não somos paradigmas de virtude e buscamos o perdão das
pessoas à nossa volta. Essa é uma parte inevitável de ser cristão.
Precisamos do perdão de Deus: Como podemos buscar o perdão dos
outros? Fundamentalmente, reconhecendo nossa necessidade de sermos perdoados
por Deus. Muitos, no entanto, vivem apenas pelo padrão de sua própria
consciência, esquecendo-se de que, cauterizada pelo pecado, inflamada pela
autopiedade e intoxicada pela justiça própria, a consciência humana se absolve.
Já outros, perseguidos pela consciência culpada, sem saber como receber perdão
e alívio, são capazes até mesmo de tirar a própria vida.
O que todos nós precisamos, pecadores que somos, que pecam contra
Deus e contra o próximo, é do amor condescendente de Deus, que desce a nós em
nossa vida, oferecido a nós só porque Deus nos amou de tal maneira que enviou
Jesus Cristo para satisfez as exigências da justiça para que todos os que se
arrependem e creem tenham vida eterna.
Se temos a verdadeira fé cristã, precisamos ser perdoados e
precisamos perdoar. Precisamos também agir como pacificadores. Ah! A nossa
sociedade seria outra se vivêssemos para promover a justiça do amor, do amor de
Deus revelado e disponível a todos nós em Cristo Jesus.
O amor faz justiça. Mas como? Lançando a injustiça na cruz, a
nossa e a dos outros. Saindo para promover a paz, do homem com Deus e do homem
com seu próximo.
O amor faz justiça. Prove e veja.
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