Filemom 1.1 a 3 Paulo, prisioneiro de Cristo Jesus, e o irmão Timóteo, a você, Filemom, nosso amado cooperador, à irmã Áfia, a Arquipo, nosso companheiro de lutas, e à igreja que se reúne com você em sua casa. A vocês, graça e paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo”.
A necessidade do perdão
O mundo em convulsão como está o nosso, as pessoas com
nervos à flor da pele, cada qual impondo seu ponto de vista, seja na força do
braço ou das palavras. Fica-se com a impressão de que nunca foi tão necessário
perdão. Mas como perdoar? Onde encontrar forças para perdoar? Tantas vezes as
pessoas não sabem como nem encontram forças para perdoar. É por isso que
estamos estudando a carta de Paulo a Filemom. Esse documento é um tratado sobre
o perdão. Paulo ensina que todas as vidas importam, tanto a do escravo Onésimo
que roubou e fugiu, como a do senhor Filemom que deveria acatar o pedido de
perdão, perdoar e promover a paz. Portanto, o que temos neste texto do Novo Testamento
é um exemplo concreto do poder do amor que flui do evangelho e que é capaz de
curar relacionamentos e restaurar famílias e sociedades.
Estamos ainda estudando os três primeiros versículos da
carta, os quais nos permitem enxergar a comunidade do amor e o que se precisa
para perdoar. Esta é a terceira vez que nos debruçamos sobre esses versículos.
Anteriormente: A presença do irmão e o papel da igreja.
Agora: o poder do evangelho.
3 - O poder do evangelho
A comunidade do amor tem a presença do irmão e sabe da
importância da igreja local na vida uns dos outros. Mas tem mais uma coisa que
Paulo explicita aqui na carta a Filemom. Ele destaca o poder do evangelho no
versículo 3.
Antes de lermos mais uma vez o nosso versículo, lembre-se de
que Paulo está apenas preparando o terreno para tratar da necessidade que
Filemom tinha de perdoar e acolher Onésimo. Assim ele o fez, como já vimos,
exortando e encorajando o irmão com palavras e presença (ou pelo menos com a
intenção de ir pessoalmente estar com ele, caso fosse possível, v. 22); depois
Paulo falou do papel da igreja; e agora o apóstolo irá encorajá-lo com um
resumo do poderoso evangelho de Jesus Cristo.
O versículo 3 traz o fundamento do evangelho: “A vocês,
graça e paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo”.
O Deus trino
“Graça e paz”, Paulo escreveu, nos são dadas por “Deus,
nosso Pai, e o Senhor Jesus Cristo”. Note que o apóstolo atribui a Jesus Cristo
o título de “Senhor” e o exibe no mesmo patamar de Deus. Essa forma de colocar
Jesus Cristo par a par com Deus ou igual a Deus era totalmente estranha para os
judeus, para não dizer blasfema. Tal afirmação, no entanto, escorria da
revelação bíblica de que há um só Deus em três pessoas: Pai, Filho e Espírito
Santo. Por mais difícil que seja absorver e compreender esse conceito, Deus é
assim mesmo, um em três, nas palavras de Wayne Grudem: “Deus existe eternamente
como três pessoas, Pai, Filho e Espírito Santo, e cada pessoa é totalmente
Deus, e existe um Deus”. (Fonte: Wayne Grudem, Systematic Theology: An
Introduction to Biblical Doctrine (Grand Rapids: Inter-Varsity Press; Zondervan
Pub. House, 2004, p. 226).
Assim é Deus, verdadeiramente: um ser em três pessoa.
Quaisquer outras descrições de Deus falarão de ídolos ou falsos deuses. Não há
outra maneira de se conhecer Deus, senão pela forma como ele mesmo se revelou a
nós nas páginas das Escrituras: Deus único, eterno, em três pessoas, Pai, Filho
e Espírito Santo. É desse Deus que “graça e paz” escorrem a todos os que creem.
Ah, você que me ouve, conheça esse Deus. Rendam-se a ele com arrependimento e
fé. Celebrem-no e o compartilhem na face de Jesus Cristo, pelo poder do
Espírito Santo.
As bênçãos do Deus trino
“Graça e paz” era uma maneira comum de Paulo começar cada
uma de suas 13 cartas (Romanos 1.7; 1 Coríntios 1.3; 2 Coríntios 1.2; Gálatas
1.3; Efésios 1.2; Filipenses 1.2; Colossenses 1.2; 1 Tessalonicenses 1.1; 2
Tessalonicenses 1.2; 1 Timóteo 1.2; 2 Timóteo 1.2; Tito 1.4 e Filemom 3).
Encontramos esse mesmo tipo de saudação na pena de outros dois apóstolos: João
(em Apocalipse 1.4) e Pedro (em 1 Pedro 1.2 e 2 Pedro 1.2). No caso de Paulo,
notamos esse estilo em todas as suas epístolas, com exceção das pastorais, em
Tito é muito parecido; em 1 e 2 Timóteo a única diferença é que ele insere “misericórdia”
entre “graça” e “paz” (ficando: “graça, misericórdia e paz”). Por traduzirem o
evangelho, nós precisamos entender bem o significado individual de cada uma
dessas palavras.
A norma para a introdução de uma carta no mundo greco-romano
consistia de três elemento essenciais: O nome do remetente, o nome do
destinatário e uma mensagem de saudação. Paulo segue esse padrão (vs. 1 a 3):
“Eu, Paulo, a Filemom, que Deus, nosso Pai, e o Senhor Jesus Cristo lhes deem
graça e paz”. A saudação dos judeus era “Paz” (Hebraico Shalom, Juízes 19.20)
ou, como se lê no apócrifo 2 Baruque 78.2, “Misericórdia e Paz”. A saudação dos
gregos era “Graça” (Grego Charis; Atos 15.23, onde se lê “Saudações”, derivado
de Chairein). Mas essa seria apenas a explicação do pano de fundo do costume
social. Teologicamente, existe algo muito mais profundo sendo comunicado.
(F. F. Bruce, The Epistles to the Colossians, to Philemon,
and to the Ephesians em The New International Commentary on the New Testament
(Grand Rapids: Wm. Eerdmans, 1984, p. 39).
Como já dissemos, “graça e paz” é uma forma
caracteristicamente paulina. Os termos estão carregados de significado cristão.
“Graça” é como nós conseguimos ter “paz”. Todos querem paz. Afinal, como cantou
Almir Sater, “é preciso paz pra poder sorrir”. Mas como obtê-la? Paulo ensina
que paz se deriva da graça de Deus a nós revelada e disponível em Jesus Cristo.
Portanto, você que me ouve, seja você cristão ou não cristão, quero ter a
certeza de que você entenda isso, porque esta é a coisa mais importante que
você deverá compreender da aula; é a chave para a sua vida e para a compreensão
do restante desta carta.
A Bíblia diz que Deus criou todos nós à sua imagem e
semelhança, e que todos fomos criados para conhecê-lo e desfrutá-lo como nosso maior
bem, tesouro e prazer. Parte disso é reconhecer sua autoridade em nossa vida, mas,
sendo honestos, sabemos que não o aceitamos totalmente. Fazemos o que queremos,
e não o que Deus quer, para usar a linguagem bíblica, pecamos. Por causa disso,
e porque Deus é bom, correto e justo, ele julgará a humanidade por nossos
pecados e muitos serão condenados. Por mais estranho que pareça, Deus condenará
porque ele é bom, correto e justo.
Pense por um instante. O que é ser bom? O que é viver em um
mundo bom?
Bom é aquele que exerce seu papel com correção e justiça.
Bondade é qualidade de quem tem alma generosa e se inclina a fazer o bem. Fazer
o bem inclui fazer o que é correto e justo, inclui aplicar justiça. Assim, um
bom juiz é um juiz justo. Não é verdade?
Alguém neste ponto poderia perguntar: “Mas se Deus sabia que
a humanidade pecaria e que muitos seriam condenados, sendo ele bom, por que nos
criou? Não seria melhor se nós não tivéssemos sido criados? Pelo menos assim
nós seríamos poupados da pena do pecado”. A questão, no entanto, é que todo
conceito de bondade e de mundo bom e de vida boa que todos nós tanto almejamos
inclui a necessidade de justiça. Em outras palavras: é impossível viver bem em
um mundo onde não há padrões de certo e de errado, podes e não podes, limites,
governança, leis e, consequentemente, aplicação da justiça.
Sendo Deus bom, ele criou um mundo perfeito. Nós pecamos,
quando desobedecemos a lei de Deus. Porque Deus é correto e justo, nós
merecemos o seu castigo. Isso é o que o cristianismo diz ser o problema de
todos no mundo, independentemente de qual seja sua formação, nacionalidade ou
posição social. Esse é o problema: estamos condenados por causa do nosso
pecado. Mas Deus, em sua grande misericórdia, porque ele é bom, não nos deixou
sem alternativa. O Filho eterno de Deus, Jesus Cristo, veio em carne, habitou
entre nós e viveu como homem, uma vida perfeita, perfeitamente em comunhão com
Deus como seu Pai celestial, cumprindo no próprio corpo, na própria vida a lei
de Deus. Ele morreu na cruz no lugar de pecadores que merecem o castigo de
Deus, e lá tomou sobre si o castigo de Deus, não pelos pecados que cometera,
porque não cometera pecados, mas pelos pecados de todos os que já haviam se
desviado em seus próprios pecados e viessem a crer em Cristo Jesus. Esse é o
coração do evangelho. Isso é graça.
Fomos criados perfeitos. Pecamos. Recebemos a justa sentença
de condenação da parte de Deus. Cristo veio e, graciosamente, tomou o nosso
lugar. Todo aquele que se arrepende e crê na vida e na obra de Cristo recebe
perdão e salvação, desfruta de paz com Deus. Pedro, o apóstolo, colocou nos
seguintes termos:
1 Pedro 3.18 “Pois também Cristo sofreu pelos pecados uma
vez por todas, o justo pelos injustos, para conduzir-nos a Deus. Ele foi morto
no corpo, mas vivificado pelo Espírito”.
“Graça”, portanto, “é a boa vontade incondicional de Deus
para com homens e mulheres, e que está decisivamente expressada na obra salvadora
de Cristo”. (Bruce, p. 39). Veja, Colossenses 1.6, note como Paulo coloca a obra
de Cristo como sinônimo de graça: (“que chegou até vocês. Por todo o mundo este
evangelho vai frutificando e crescendo, como também ocorre entre vocês, desde o
dia em que o ouviram e entenderam a graça de Deus em toda a sua verdade”).
Quem recebe dessa graça, desfruta de paz. Nas palavras de F.
F. Bruce (p. 39): “Paz é o estado de vida… desfrutado por aqueles que
efetivamente experimentaram a divina graça”. Estado de vida em que, através de
Cristo ou por causa dele se tem paz com Deus e paz uns com os outros.
Colossenses 1.20 “e por meio dele reconciliasse consigo
todas as coisas, tanto as que estão na terra quanto as que estão no céu,
estabelecendo a paz pelo seu sangue derramado na cruz”.
Efésios 2.14 a 18 “Pois ele é a nossa paz, o qual de ambos
fez um e destruiu a barreira, o muro de inimizade, anulando em seu corpo a lei
dos mandamentos expressa em ordenanças. O objetivo dele era criar em si mesmo,
dos dois, um novo homem, fazendo a paz, e reconciliar com Deus os dois em um
corpo, por meio da cruz, pela qual ele destruiu a inimizade. Ele veio e
anunciou paz a vocês que estavam longe e paz aos que estavam perto, pois por
meio dele tanto nós como vocês temos acesso ao Pai, por um só Espírito”.
Estado de vida em que também se desfruta da paz de Deus.
Filipenses 4.6 e 7 “Não andem ansiosos por coisa alguma, mas
em tudo, pela oração e súplicas, e com ação de graças, apresentem seus pedidos
a Deus. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os seus
corações e as suas mentes em Cristo Jesus”.
A Bíblia de Estudo NAA (Nova Almeida atualizada) traz um
belo comentário sobre esses versículos: “Paulo reproduz o ensino de Jesus no
Sermão do Monte (veja Mateus 6.25 a 34) de que os crentes não devem ficar
preocupados, mas devem colocar a sua confiança nas mãos do seu Pai Amado, cuja
paz os guardará em Cristo Jesus. O uso de Paulo de “guardará” pode ser um
reflexo da sua própria prisão ou da situação de Filipos como uma colônia romana
com uma guarnição militar. Em qualquer caso, não são os soldados romanos que
guardam os crentes: é a paz de Deus Todo-Poderoso. Uma vez que Deus é soberano
e está no controle, os cristãos podem confiar a ele todas as suas dificuldades,
pois ele governa sobre toda a Criação, é sábio e amoroso de todas as formas (Romanos
8.31 a 39). A prática de ações de graças contribui diretamente para a paz
interior”. (Bíblia de Estudo NAA. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil,
2018, p. 2175).
O evangelho de Jesus Cristo é poderoso para nos salvar,
levando-nos de volta para Deus. Mas esse mesmo evangelho também é poderoso para
nos santificar, tornando-nos graciosos e pacificadores. A mesma graça que nós
recebemos da Trindade santa, Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo, para
desfrutamos de paz com Deus, da paz de Deus e de paz com o povo de Deus, nós
somos capazes de repartir com os Onésimos que nos ferirem, agindo para perdoar
(ou pedir perdão) e pacificar o relacionamento. Por isso que Jesus nos ensinou
a orar, dizendo (Mateus 6.12 “Perdoa as nossas dívidas, assim como perdoamos
aos nossos devedores”. Imagine como o mundo seria melhor!
Ouvi em um sermão pregado por Mark Dever (Fonte:
https://www.capitolhillbaptist.org/sermon/grace-and-prayer/) a história narrada
por Robert A. Seiple, ex-presidente da Visão Mundial, sobre uma reunião com uma
cristã libanesa chamada Maria.
“Maria estava morando em uma vila cristã no Líbano na década
de 1980, quando as coisas por lá estavam desmoronando: Israelenses e sulistas
sírios estavam por toda parte lutando entre si, outras milícias locais também.
Milicianos muçulmanas entraram na aldeia de Maria. Ela correu, tropeçou e caiu,
mas levantou-se na carreira. Um jovem de 20 anos apontou uma arma para a cabeça
dela e gritou: “Renuncie à cruz ou morra”. Maria respondeu: “Nasci cristã;
morrerei cristã”. Ele atirou nela. Em seguida, esculpiu com sua baioneta (uma
espécie de punhal) uma cruz no corpo da moça. Depois foi embora. No dia
seguinte, a milícia voltou para recolher os mortos e limpar a cidade.
Descobriram que Maria ainda estava viva e, por algum motivo sem explicação,
improvisaram uma maca e a levaram para o hospital. Seiple relembra sua conversa
com Maria, então em uma cadeira de rodas. A bala havia atingido a espinha
dorsal da moça e ela ficou paralisada. Depois que ela narrou a história toda,
ele perguntou: “Isso absolutamente não faz sentido a respeito daquelas pessoas
que tentaram matá-la, por que diabos eles a levariam ao hospital no dia
seguinte”? Maria respondeu: “Sabe, às vezes pessoas más também fazem coisas
boas”. Seiple acrescentou: “Como você se sente sobre a pessoa que puxou o
gatilho, a pessoa que fez você ficar presa a uma cadeira de rodas pelo resto da
vida, sob os cuidados do estado? Como você se sente sobre o cara que puxou o
gatilho”?
Ela respondeu: “Eu o perdoei”.
— “Maria, como você foi capaz de perdoá-lo”? Ele perguntou.
— “Bem, eu o perdoei”, disse ela, “porque meu Deus me
perdoou. É simples assim”.
Mateus 6.12 “Perdoa as nossas dívidas, assim como perdoamos
aos nossos devedores”. Esse é o poder do evangelho. Pelo evangelho nós somos
perdoados e com o evangelho nós aprendemos a perdoar. Você vai perdoar? Sua
atitude terá muito a ver com o fato de você ter sido ou não perdoado. O
evangelho nos ensina que todas as vidas importam porque até a minha e a sua
importou para Deus que nos enviou seu único Filho para morrer em nosso lugar,
comprando-nos perdão.
A comunidade do amor
Perdoar nem sempre é fácil, mesmo se já fomos perdoados por
Deus e pelas pessoas. Sempre que nos ferem de alguma maneira, centrados em nós
mesmos que somos por causa do pecado, nossa inclinação é querer justiça a
qualquer custo ou fazer justiça com as próprias mãos. Perdoar, jamais! Posto
que perdoar seria absolver aqueles que nos devem. E eles merecem justiça.
É verdade! Eles e nós merecemos justiça. Primeiro, porque
pecamos contra Deus. Segundo, porque pecamos contra o próximo, criado a imagem
e semelhança de Deus. E justiça já foi feita. Feita na cruz.
Isaías 53.5 e 6 “Mas ele foi transpassado por causa das
nossas transgressões, foi esmagado por causa de nossas iniquidades; o castigo
que nos trouxe paz estava sobre ele, e pelas suas feridas fomos curados. Todos
nós, tal qual ovelhas, nos desviamos, cada um de nós se voltou para o seu
próprio caminho; e o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós”.
Tudo aquilo que às vezes as pessoas sentem vontade de fazer
contra alguém que tenha cometido uma injustiça, Deus fez contra seu próprio
Filho. Justiça foi feita na cruz.
A comunidade do amor é composta de pessoas que foram salvas
e reconciliadas com Deus na igreja pela vida e obra de Jesus Cristo. Em paz com
Deus, aprendemos a ter paz com todos (mesmo se somos a minoria perseguida ou
abusada). E quando não conseguimos, nós temos a presença do irmão, podemos
contar com o papel da igreja na vida da gente e somos lembrados do poder do
evangelho para salvar e santificar o pecador.
Você faz parte da comunidade do amor? Então perdoe. Peça
perdão. Promova o perdão.
Ainda não faz parte da comunidade do amor? Arrependa-se e
creia em Cristo. Professe sua fé pelo batismo e insira-se em alguma igreja
local.
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