Filemom 1.8 a 16 “Por isso, mesmo tendo em Cristo plena
liberdade para mandar que você cumpra o seu dever, prefiro fazer um apelo com
base no amor. Eu, Paulo, já velho, e agora também prisioneiro de Cristo Jesus,
apelo em favor de meu filho Onésimo, que gerei enquanto estava preso. Ele antes
lhe era inútil, mas agora é útil, tanto para você quanto para mim. Mando-o de
volta a você, como se fosse o meu próprio coração. Gostaria de mantê-lo comigo
para que me ajudasse em seu lugar enquanto estou preso por causa do evangelho.
Mas não quis fazer nada sem a sua permissão, para que qualquer favor que você
fizer seja espontâneo, e não forçado. Talvez ele tenha sido separado de você
por algum tempo, para que você o tivesse de volta para sempre, não mais como
escravo, mas, acima de escravo, como irmão amado. Para mim ele é um irmão muito
amado, e ainda mais para você, tanto como pessoa quanto como cristão”.
A transformação que nos liberta para amar
Vimos anteriormente que para conseguirmos praticar o amor e
as boas obras, para sermos capazes de amar segundo o evangelho de Cristo, a
primeira coisa que nós precisamos é ser constrangidos pelo amor a praticar o
amor e amar. Mas tem algo mais: esse amor que nos constrange a amar é fruto da transformação
pela qual nós passamos em Cristo, constrangendo-nos e nos libertando para amar
(vs. 10 a 12).
Vimos ainda que as duas evidências para as quais Paulo
direciona a atenção de Filemom para comprovar que de fato tinha ocorrido o novo
nascimento (uma transformação miraculosa) na vida de Onésimo foram o novo
comportamento e os novos relacionamentos de Onésimo (vs. 11 a 13). Filemom,
portanto, deveria perdoar com base no amor (v. 9).
A marca do perdão
Essa é a força do argumento de Paulo nesta carta: Onésimo
era outra pessoa em Cristo e Filemom deveria perdoá-lo, de coração.
Realmente não há nada mais inconsistente com a nova vida em
Cristo do que a falta de perdão na igreja. Deixe-me dizer isso de novo:
realmente não há nada mais inconsistente com a nova vida em Cristo do que a
falta de perdão na igreja de Cristo.
Que escândalo a falta de perdão de Filemom e sua hostilidade
a Onésimo teriam provocado dentro da igreja de Colossos que se reunia em sua
casa, quando Onésimo voltou para lá acompanhado de Tíquico e disposto a pedir
perdão (Colossenses 4.9)! Quão perturbador e divisionista teria sido aquela
atitude! Mas que testemunho poderoso de fato foi o perdão de Filemom para o
mundo curioso, olhando para a igreja recém-nascida, com suspeita constante! Que
testemunho foi a aceitação, o perdão e o amor de Filemom ao receber Onésimo de
volta, não mais como um escravo, mas um irmão amado em Cristo (Filemom 16)!
Testemunho escandaloso, de fato! O mundo não amava daquela maneira, e ainda
não. Na contramão do mundo, Jesus disse assim (João 13.35 “Com isso todos
saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros”). Meu
irmão, minha irmã, se você realmente nasceu de novo, uma das grandes marcas que
todo o mundo verá na sua vida é o modo como você ama, perdoa, acolhe e cuida
das pessoas no amor de Jesus. A transformação pela qual nós passamos em Cristo,
constrange-nos e nos liberta para a amar.
A semente da abolição
Os críticos do cristianismo gostam de afirmar que a ausência
de rechaço mais direto à escravidão, por parte de Paulo e da igreja primitiva,
mostra cumplicidade de muitos em relação à essa barbaridade que imperou por
tantos séculos no mundo. O secularista Isaac Asimov, comentando sobre a
abordagem de Paulo a Filemom, escreveu:
“Contudo, enquanto Paulo intercede a favor do escravo
Onésimo, que é agora irmão de Filemom segundo o cristianismo, não há nenhuma
sugestão por parte de Paulo de que a escravidão fosse errada e imoral como
instituição. Na verdade, Paulo até aconselha os escravos a obedecerem a seus
mestres. Portanto, apesar de alguns princípios inovadores, o cristianismo de
modo algum foi uma doutrina de revolução social”.
(Fonte: Citado por D. James Kennedy com Jerry Newcombe em E
se Jesus não tivesse nascido? São Paulo: Editora Vida, 2003. Pág. 36).
Asimov, no entanto, perdeu a visão de conjunto, pois o
cristianismo não afirma que aboliu a escravidão da noite para o dia. Em
primeiro lugar, porque ninguém se transforma assim tão radicalmente da noite
para o dia (e a escravidão era um pecado que se arrastava por séculos nas
fibras que teciam os relacionamentos humanos). Em segundo lugar, se a igreja
tivesse desaprovado totalmente a escravidão lá no início, ela rapidamente teria
sido esmagada e o evangelho não teria se difundido como aconteceu da igreja
primitiva em diante. Com efeito, com o evangelho já difundido, as sementes para
o fim da escravidão foram plantadas. Logo, com a transformação do coração, ao
longo do tempo, o cristianismo reformou a ordem social radicalmente, de dentro
para fora. Além disso, como colocou Kennet Scott Latourette, um grande
historiador do cristianismo, “o cristianismo destruiu a escravidão dando
dignidade ao trabalho (e à pessoa humana)”. (p. 37).
As palavras de William Barclay são bastante lúcidas no que
diz respeito à atitude do apóstolo Paulo e dos demais líderes da igreja
primitiva. Ele escreveu:
“Pode ser que Paulo tenha aceitado (não tenha atacado de
frente) a instituição da escravidão porque era quase impossível imaginar a
sociedade sem ela (naquele período histórico). Além disso, se o cristianismo
tivesse, de fato, dado aos escravos algum incentivo para se revoltarem ou
deixarem seus senhores, nada além de tragédia poderia ter se seguido. Qualquer
revolta desse tipo teria sido ferozmente esmagada; tomando por si mesmos a
liberdade, os escravos teriam sido impiedosamente punidos; e o próprio
cristianismo teria sido marcado como revolucionário e subversivo. Posta a fé
cristã, a abolição estava prestes a chegar, mas o tempo não estava maduro; e
ter encorajado os escravos a esperá-la e agarrá-la (para já) teria feito
infinitamente mais mal do que bem. Há coisas que não podem ser alcançadas
repentinamente e pelas quais o mundo deve esperar até que o fermento tenha
agido”. (Barclay, p. 306).
O que o cristianismo fez foi introduzir um novo tipo de
relacionamento entre indivíduos, no qual todas as diferenças externas foram
abolidas. Os cristãos são um corpo, sejam judeus ou gentios, escravos ou livres
(1 Corintos 12.13). Em Cristo não há judeu nem grego, escravo ou livre, homem
ou mulher (Gálatas 3.28). Em Cristo não há circuncidado ou incircuncidado,
inculto ou incivilizado, escravo ou livre, pois Cristo é tudo que importa, e
ele vive em todos (Colossenses 3.11).
Foi como escravo que Onésimo fugiu e foi como escravo que
ele estava voltando; mas agora ele não era apenas um escravo, era antes um
irmão amado no Senhor (Filemom 16). Quando um relacionamento como esse entra na
vida, classes sociais e diferenças deixam de ter importância, até que tudo de
injusto desapareça. Os próprios nomes, senhor e escravo, tornam-se
irrelevantes, pois se os senhores tratam os escravos como Cristo os teria
tratado, e se os escravos servem aos senhores como se servissem a Cristo, então
os termos senhor e escravo deixam de importar, de fato, desaparecem; o
relacionamento deles não depende de nenhuma classificação humana, pois ambos
estão em Cristo. No início, o cristianismo não atacou a escravidão; fazê-lo
teria sido desastroso, conforme já foi dito, mas a fé cristã introduziu um novo
tipo de relacionamento no qual as divisões humanas da sociedade deixaram de ter
importância. Deve-se notar, entretanto, que esse novo relacionamento nunca deu
aos escravos o direito de tirar proveito dele; ao contrário, esse novo
relacionamento os tornou melhores escravos e servos mais eficientes, pois agora
eles tinham que fazer as coisas de maneira a poder oferecê-las a Cristo.
Tampouco significava que o senhor deveria castigar ou mesmo aceitar um trabalho
ruim ou inferior; mas significava que ele não tratava mais nenhum servo como
uma coisa ou ferramenta humana, tratava-o como uma pessoa e um irmão ou irmã
amado em Cristo.
Essa verdade está entre os conceitos mais revolucionários
que o mundo jamais testemunhou, um escravo, uma “ferramenta viva”, agora era um
“irmão amado”! Até então, algo absolutamente impensável, inacreditável e
impraticável! Uma declaração tão simples, mas revolucionária, foi capaz de
transformar o mundo, virá-lo do avesso (v. 16 “não mais como escravo, mas,
acima de escravo, como irmão amado. Para mim ele é um irmão muito amado, e
ainda mais para você, tanto como pessoa quanto como cristão”).
Essa declaração foi capaz de quebrar os grilhões da
escravidão, como gotas ou pingentes de gelo que se derretem ao sol nascente.
Luc Ferry, filósofo francês renomado ainda na ativa (a
propósito, ateu) escreveu algo que deveria nos orgulhar, enquanto cristãos:
“E mais ainda: apoiando-se na definição da pessoa humana e
num pensamento inédito do amor, o cristianismo vai deixar marcas incomparáveis
na história das ideias. Não as compreender é também não se permitir qualquer
entendimento do mundo intelectual e moral no qual vivemos ainda hoje. Para lhe
dar um único exemplo, é perfeitamente claro que, sem essa valorização
tipicamente cristã da pessoa humana, do indivíduo como tal, jamais a filosofia
dos direitos do homem, à qual damos tanta importância ainda hoje, teria vindo à
luz”.
(Fonte: Ferry, Luc. Aprender a viver: filosofia para os
novos tempos. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2006. Edição do Kindle. Posição
937).
Ferry prossegue em seu livro para dizer (posição 1140): “No
plano moral, o cristianismo opera, portanto, uma verdadeira revolução na
história do pensamento, uma revolução que ainda se fará sentir até na grande
Declaração dos Direitos do Homem (e do Cidadão), de 1789 (o documento culminante
da Revolução Francesa), cuja herança cristã, nesse aspecto, é indubitável”.
Ferry ainda argumenta que a nossa tão doce e amada democracia
é filha do cristianismo (posição 1140 a 1147): “Ao mesmo tempo, como eu dizia
há pouco, a ideia de igual dignidade de todos os seres humanos faz sua primeira
aparição: então, o cristianismo estará mais ou menos secretamente na origem da
democracia moderna. Paradoxalmente, embora a Revolução Francesa seja por vezes
fortemente hostil à Igreja, ela não deixa de dever ao cristianismo uma parte
essencial da mensagem igualitária que vai contrapor ao Antigo Regime. Aliás,
constatamos ainda hoje o quanto as civilizações que não conheceram o
cristianismo têm dificuldade em dar à luz regimes democráticos, porque a ideia
de igualdade, em especial, não é evidente para elas (é filha do cristianismo
que operou para, por exemplo, colocar fim na escravidão)”.
Onésimo agora bispo de Éfeso
Pois bem, vamos avançar cerca de cinquenta anos após a carta
a Filemom ter sido escrita. Inácio, um dos grandes mártires cristãos, está
sendo levado, de Antioquia a Roma, para ser executado. Enquanto é conduzido,
durante a viagem mesmo, ele escreve cartas às igrejas da Ásia Menor (muitas
dessas ainda sobrevivem). Inácio faz uma parada em Esmirna e escreve para a
igreja de Éfeso. No primeiro capítulo dessa carta ele tem muito a dizer sobre o
maravilhoso bispo da igreja destinatária. E qual é o nome do bispo? Onésimo!
Exatamente! Onésimo tornara-se pastor de uma das igrejas e regiões mais
importantes do cristianismo. Na carta que escreveu, Inácio fez exatamente o
mesmo trocadilho que Paulo fez quando escreveu a Filemom, ele é Onésimo por
nome e Onésimo por natureza, aquele que é útil para Cristo.
Trocando em miúdos: tudo indica que, com o passar dos anos,
o escravo fugitivo, após servir em Colossos, tenha se tornado o louvável bispo
de Éfeso. (Barclay, p. 310). Mas como foi possível? Paulo amou Onésimo. Onésimo
amou Paulo e Filemom. Filemom amou Paulo e Onésimo. A transformação pela qual
os três passaram em Cristo os libertou para amarem uns aos outros e juntos
cooperarem para o progresso na fé uns dos outros.
A cosmovisão que nos ensina a amar
Para conseguirmos praticar o amor e as boas obras, para
sermos capazes de amar e de perdoar, segundo nos ensina o evangelho de Cristo,
a primeira coisa que nós precisamos é ser constrangidos pelo amor a praticar o
amor e a amar. Segunda coisa, esse amor que nos constrange a amar terá que ser
fruto da transformação pela qual nós passamos em Cristo, constrangendo-nos e
nos libertando para a amar. Por fim, para amar, nós precisamos da cosmovisão
que pelo Espírito nós construímos com a Escritura.
Filemom 1.13 a 16 “Gostaria de mantê-lo comigo para que me
ajudasse em seu lugar enquanto estou preso por causa do evangelho. Mas não quis
fazer nada sem a sua permissão, para que qualquer favor que você fizer seja
espontâneo, e não forçado. Talvez ele tenha sido separado de você por algum
tempo, para que você o tivesse de volta para sempre, não mais como escravo,
mas, acima de escravo, como irmão amado. Para mim ele é um irmão muito amado, e
ainda mais para você, tanto como pessoa quanto como cristão”.
Paulo pressiona, mesmo que gentilmente, Filemom a receber
Onésimo em casa, não como escravo, mas como seu irmão amado. O apóstolo não
queria presumir a bondade de Filemom, informando-lhe simplesmente que manteria
Onésimo consigo lá em Roma com ele, porque ele era muito útil ao apóstolo na
prisão. Paulo o devolveu, para que qualquer futuro ministério que Onésimo
pudesse exercer (e já vimos que ele exerceu, em Colosso e depois em Éfeso)
resultasse não da obrigação, mas da livre generosidade de Filemom. Mas note uma
coisa.
Dito tudo isso, Paulo ofereceu a Filemom outra dica, além da
que ele já havia oferecido: a transformação e os novos relacionamentos de
Onésimo, que poderia ajudá-lo a reavaliar toda a situação, todo o problema, e
assim conseguir perdoar. Veja o versículo 15 “Talvez ele tenha sido separado de
você por algum tempo, para que você o tivesse de volta para sempre”. Paulo, em
outras palavras, estava apontando Filemom para um dos ensinos mais ricos da
Bíblia toda: a doutrina da soberana providência de Deus, decretando,
permitindo, supervisionando e conduzindo todos os eventos da história para o
bem daqueles que o amam e são chamados segundo o seu propósito.
O caso de Onésimo. Foi um servo inútil a vida toda. Roubou.
Fugiu. Chegando a Roma, de alguma forma entrou em contato com Paulo. O
apóstolo, por sua vez, o influenciou à conversão a Cristo. E a vida de Onésimo,
desde então, se transformou completa e irreversivelmente, para sempre. Tudo
isso era produto, Paulo diz, não de algum destino ou do acaso, mas do design
soberano, sobrenatural, inteligente e gracioso de Deus que guiou Onésimo a cada
passo, levando-o de Filemom a Paulo (do pecado à salvação) e agora de volta a
Filemom (da inutilidade ao útil serviço cristão).
O que se aprende?
O Senhor fez tudo para salvar Onésimo e restaurar o
relacionamento entre ele e Filemom. De fato, o transformara da água para o
vinho; agora ele não era mais um escravo, pois em Cristo não há escravo nem
livre, mas um irmão, um com Paulo e Filemom em Cristo Jesus. Ah! A
surpreendente providência soberana de Deus!
Às vezes, penso que somos rápidos demais em questionar a
misteriosa operação dos propósitos soberanos de Deus. Ficamos desesperados com
a desobediência dos filhos rebeldes, as inconstâncias de um cônjuge não
convertido ou a tragédia na vida de alguém querido. Oramos por essas pessoas e
testemunhamos, mas nada acontece. De fato, às vezes parece que as
circunstâncias conspiram contra nós e as pessoas se desviam para ainda mais
longe. Nesses momentos, lembre-se de Onésimo. Lembre-se do ponto crítico a que
ele chegou, até aonde ele se afastou, até aonde ele vagou perdido. Embora todos
os seus caminhos tortuosos possam ter parecido aleatórios, desordenados e até
desesperadores para todo mundo que estava envolvido com ele, no projeto
perfeito de Deus, eles levaram aquele perdido diretamente a Paulo e a um novo
começo.
Moral da história: nunca duvide da perfeita sabedoria de
Deus que providencialmente faz todas as coisas sempre muito bem, para o nosso
bem e a glória dele em Jesus.
Que grande argumento foi o de Paulo, o artesão de palavras!
“Perdoe-o, Filemom, por causa do amor de Cristo que nos constrange a perdoar;
perdoe-o por causa da transformação que ele passou (e você também passou, e eu
também passei), uma transformação pelo poder do evangelho que nos liberta para
amar; e perdoe-o por causa de uma visão mais profunda da vida: a visão da
soberana providência de Deus. Filemom, você consegue enxergar o que Deus
realmente está fazendo? Ouça, Filemom (vs. 15 e 16): “Talvez ele tenha sido
separado de você por algum tempo, para que você o tivesse de volta para sempre,
não mais como escravo, mas, acima de escravo, como irmão amado. Para mim ele é
um irmão muito amado, e ainda mais para você, tanto como pessoa quanto como
cristão”. Ou seja: “Filemom, Onésimo estava perdido e foi achado pela graça de
Deus. Ele foi salvo pela graça de Deus! E você perdeu um escravo para ganhar um
irmão amado. Você foi contemplado pela graça de Deus. Perdoe Onésimo, Filemom.
Perdoe-o”.
A Bíblia está cheia de histórias como essa de Filemom. O
livro de Gênesis, por exemplo, o primeiro da Bíblia, culmina na incrível
história de José, na qual se lê que ele foi jogado por seus irmãos em uma cova,
vendido como escravo e, anos depois, quando o pai e os irmãos estavam passando
fome, eles desceram para o Egito em busca de comida. Eles não reconheceram José
e, quando percebem: “Oh meu Deus, o governante do Egito é o irmão que nós
jogamos na cova anos atrás e depois o vendemos como escravo”! Eles ficam
aterrorizados. Mas eis o que José disse;
Gênesis 45.4 a 8 “Cheguem mais perto, disse José a seus
irmãos. Quando eles se aproximaram, disse-lhes: Eu sou José, seu irmão, aquele
que vocês venderam ao Egito! Agora, não se aflijam nem se recriminem por terem
me vendido para cá, pois foi para salvar vidas que Deus me enviou adiante de
vocês. Já houve dois anos de fome na terra, e nos próximos cinco anos não
haverá cultivo nem colheita. Mas Deus me enviou à frente de vocês para lhes
preservar um remanescente nesta terra e para salvar-lhes as vidas com grande
livramento. Assim, não foram vocês que me mandaram para cá, mas sim o próprio
Deus. Ele me tornou ministro do faraó, e me fez administrador de todo o palácio
e governador de todo o Egito”.
José só conseguiu perdoar os irmãos porque tinha uma
cosmovisão correta dos fatos e dos acontecimentos da história: a boa mão de
Deus dirige todas as coisas para o bem daqueles que amam a Deus e são chamados
segundo o seu propósito. O mesmo Deus que conduziu a história de José do Egito,
conduziu também a história de Onésimo e Filemom (Filemom 15 e 16). Ele é o
mesmo Deus que atuou através do discípulo que traiu Jesus e dos soldados que o
pregaram na cruz.
Atos 4.27 e 28 “De fato, Herodes e Pôncio Pilatos
reuniram-se com os gentios e com os povos de Israel nesta cidade, para
conspirar contra o teu santo Servo Jesus, a quem ungiste. Fizeram o que o teu
poder e a tua vontade haviam decidido de antemão que acontecesse”.
Aqueles homens pecaram? Sim. Eles foram responsáveis pelo
pior de todos os crimes jamais cometido: matar o Filho de Deus? Sim. Essa é a
história toda? Não. Deus também foi soberanamente ativo de uma maneira que por
ora nós não entenderemos completamente, e talvez nunca compreendamos. O fato é
que há sim um Deus que está totalmente comprometido em fazer cumprir sua
vontade soberana pelos meios de sua santa, e sábia providência. Essa
mentalidade muda tudo. Como nós precisamos da cosmovisão que pelo Espírito nós
construímos com a Escritura para conseguir amar e perdoar!
A prática do amor
A falta de perdão atrapalha a comunhão dos santos e envenena
a igreja (e faz a mesma coisa no seio de famílias, no relacionamento entre
amigos e no contexto social), mas o verdadeiro perdão que nasce do amor do
evangelho de Cristo faz muito mais do que simplesmente curar as feridas entre
duas partes hostis. Fortalece todo o corpo e dá testemunho ao mundo do poder
transformador do evangelho. Quem sabe se uma atitude implacável por parte de
Filemom em relação a Onésimo poderia tê-lo desencorajado e o mandado embora,
fechando todas as possibilidades de ele permanecer em Colossos e lá servir a
igreja, ao tempo que crescia na graça e no conhecimento de Jesus Cristo nosso
Senhor para se tornar o bispo de Éfeso. Mas tudo isso aconteceu, pois ele foi
perdoado e restaurado e se tornou realmente útil.
O perdão abre possibilidades que o ressentimento e o
afastamento fecham para sempre. E assim, com Deus nos capacitando pelo Espírito
na medida em que nós aprendemos a nos amar em Cristo, quem sabe quais serão os
caminhos de utilidade que se abrirão para nós como igreja e para você como
irmão amado e ao outro e ao outro e ao outro… para o avanço do reino de Deus,
de um modo que todos nós seremos úteis no evangelho pela graça de Deus.
Que Deus nos ajude e nos torne um povo de perdão e
reconciliação, um povo que constrangido, transformado e instruído pelo amor de
Cristo pratica o amor, para a glória e louvor do nome de Jesus Cristo na nossa
vida, individualmente, e na igreja como um todo.
O que lhe falta para praticar o amor? Já provou do amor de
Cristo? Esse amor lhe constrange a amar? Já foi transformado pelo amor de
Cristo? E agora, como você vive? Como são seus relacionamentos? A visão de
mundo que você tem, ela é extraída da Bíblia? Como essa cosmovisão o impulsiona
a viver?
Prove de Cristo, do Cristo da Bíblia e viva para praticar o
amor.
Quatro dicas de como praticar o amor
Permita-me encerrar apresentando quatro dicas práticas de
como praticar o amor, especialmente no que diz respeito a resolver conflitos e
curar relacionamentos, nossos e dos outros. Baseamo-nos, a seguir, na introdução
de Ken Sande em seu livro O Pacificador (Sande, p. 12 e 13).
1 - Glorifique a Deus (1 Coríntios 10.31 “Assim, quer vocês
comam, bebam ou façam qualquer outra coisa, façam tudo para a glória de Deus”).
A prática do amor é motivada e guiada por um profundo desejo
de promover honra e levar glória a Deus, revelando o amor e o poder
reconciliadores de Jesus Cristo. À medida que recorremos à sua graça, seguimos
seu exemplo e colocamos em prática seus ensinamentos, podemos encontrar
liberdade das decisões impulsivas e egocêntricas que contaminam nossas atitudes
e elevamos louvor a Deus, demonstrando o poder do evangelho em nosso viver.
2 - Tire o tronco do seu olho (Mateus 7.5 “Hipócrita, tire
primeiro a viga do seu olho, e então você verá claramente para tirar o cisco do
olho do seu irmão”).
Atacar os outros apenas estimula contra-ataques. É por isso
que Jesus nos ensina a encarar nossas próprias faltas em um conflito antes de
nos concentrarmos no que os outros fizeram. Quando negligenciamos as ofensas menores
de outras pessoas e admitimos honestamente nossos próprios defeitos, nossos
oponentes geralmente respondem da mesma maneira. À medida que as tensões
diminuem, pode-se abrir caminho para uma discussão, negociação e reconciliação
sinceras.
3 - Restaure delicadamente (Gálatas 6.1 “Irmãos, se alguém
for surpreendido em algum pecado, vocês, que são espirituais deverão
restaurá-lo com mansidão. Cuide-se, porém, cada um para que também não seja
tentado”).
Quando outras pessoas não conseguem ver suas próprias faltas
em um conflito, às vezes precisaremos agir para lhes mostrar graciosamente a
culpa delas mesmas. Se essas pessoas se recusarem a responder adequadamente,
Jesus nos chama a envolver amigos respeitados, líderes da igreja ou outras
pessoas pontuais que poderão nos ajudar a incentivar o arrependimento e
restaurar a paz.
4 - Vá e se reconcilie (Mateus 5.23 e 24 “Portanto, se você
estiver apresentando sua oferta diante do altar e ali se lembrar de que seu
irmão tem algo contra você, deixe sua oferta ali, diante do altar, e vá
primeiro reconciliar-se com seu irmão; depois volte e apresente sua oferta”).
Finalmente, a manutenção da paz ou a prática do amor envolve
um compromisso de restaurar relacionamentos prejudicados e negociar acordos
justos. Quando perdoamos os outros como Jesus nos perdoou e buscamos soluções
que satisfaçam os interesses dos outros e os nossos, os detritos do conflito
são eliminados e a porta é aberta para uma paz genuína.
É sobre esse tipo de prática do amor que nós temos aprendido
de Paulo nesta carta a Filemom. Prove do amor de Cristo e pratique o amor
cristão.
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