Tendo primeiramente descrito em suas próprias palavras o que
aconteceu no dia de Pentecoste e fornecendo, a seguir, uma explicação disso
através do sermão cristocêntrico de Pedra, Lucas nos mostra agora os efeitos do
Pentecoste, dando-nos uma linda descrição da igreja cheia do Espírito. É óbvio
que a igreja não começou naquele dia, e não é correto dizer que o dia de
Pentecoste é "o aniversário da igreja". Pois a igreja, como povo de
Deus, remonta a pelo menos 4.000 anos, até os tempos de Abraão. O que aconteceu
no Pentecoste foi que o remanescente do povo de Deus tornou-se o corpo de Deus
cheio do Espírito. Quais foram, então, as evidências da presença e do Espírito.
Quais foram, então, as evidências da presença e do poder do Espírito Santo?
Lucas descreve-as para nós.
Exposição
1. Uma igreja que aprendia
A primeira evidência do Espírito que Lucas menciona é que
eles perseveravam na doutrina dos apóstolos. Poderíamos até dizer que, naquele
dia, o Espírito Santo abriu uma escola em Jerusalém; seus professores eram os
apóstolos que Jesus escolhera; e havia três mil alunos no jardim de infância!
Vemos que esses novos convertidos não estavam se deliciando com uma experiência
mística que os levasse a rejeitar a própria mente ou a teologia. O anti-intelectualismo
e a plenitude do Espírito são mutuamente incompatíveis, pois o Espírito Santo é
o Espírito da verdade. Esses primeiros discípulos também não pensavam que,
devido ao fato de terem recebido o Espírito, esse era o único professor de que
precisavam, podendo dispensar os mestres humanos. Pelo contrário, eles se
assentavam aos pés dos apóstolos, ansiosos por receberem instruções, e nisso
perseveravam. Mas que isso, a autoridade didática dos apóstolos, à qual se
submeteram, era autenticada por milagres: "muitos prodígios e sinais eram
feitos por intermédio dos apóstolos" (v.43). As duas referências aos
apóstolos, no versículo 42 (a doutrina deles) e no versículo 43 (aos seus
prodígios), dificilmente podem ser acidentais. “Considerando que o ensino dos
apóstolos chegou até nós em sua forma definitiva no Novo Testamento, a devoção
contemporânea ao ensino apostólico significa" a submissão à autoridade do
Novo Testamento. Uma igreja cheia do Espírito Santo é uma igreja neotestamentária,
no sentido de que ela estuda o Novo Testamento e se submete às suas instruções.
O Espírito de Deus leva o povo de Deus a se submeter à Palavra de Deus.
2. Uma igreja,que amava
Perseveravam .. , na comunhão (koinonia). Koinonia (de
koinós, "comum") testemunha a vida comunitária da igreja em dois
sentidos. Primeiro, o termo expressa o que compartilhamos. A saber o próprio
Deus, pois, "a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus
Cristo", e há "a comunhão do Espírito Santo”. Mas, em segundo lugar, koinonia
também expressa o que partilhamos uns com os outros, tanto o que damos como o
que recebemos. Koinonia é a palavra que Paulo usou para a oferta que recolheu
entre as igrejas gregas, e koinonikos é a palavra grega para
"generoso". É a isso, especificamente, que Lucas está se referindo
aqui, pois ele continua descrevendo como esses primeiros cristãos
compartilhavam suas propriedades uns com os outros. Todos os que creram estavam
juntos, e tinham tudo em comum (Koina).Vendiam as suas propriedades e bens,
distribuindo o seu produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade
(vs.44-45). Esses versículos são perturbadores. Será que cada crente e cada
comunidade cheia do Espírito deve seguir literalmente esse exemplo?
É importante notar que até mesmo em Jerusalém a comunhão de
propriedades e bens era voluntária. De acordo com o versículo 46, eles partiam
pão de casa em casa. Evidentemente, portanto, muitos ainda possuíam casa; nem
todos as tinham vendido. Vale também notar que ambos os verbos no versículo 45
estão no tempo imperfeito, o que indica que a venda e a partilha eram
ocasionais, em resposta a necessidades específicas, não feitas de uma só vez.
Além disso, o pecado de Ananias e Safira, ao qual ainda chegaremos em Atos 5,
não foi à ganância ou o materialismo, mas sim, a fraude; não foi o fato de
terem ficado com parte do produto da sua venda, mas o fato de o terem feito,
fingindo que estavam dando tudo. Pedro deixa isso bem claro quando diz:
“Conservando-o, porventura, não seria teu”? E vendido, não
estaria em teu poder? “(Atos 5.4)”.
Ao mesmo tempo, apesar de a venda e a partilha serem
voluntárias, e de todo cristão precisar tomar decisões conscientes diante de
Deus quanto a essa questão, todos somos chamados à generosidade, especialmente
em relação aos pobres e necessitados. Já no Antigo Testamento havia uma forte
tradição de cuidado pelo pobre, e os israelitas deviam dar um décimo de sua
renda "ao levita, ao estrangeiro, ao órfão e à viúva." Como os
crentes cheios do Espírito poderiam dar menos? Esse princípio é mencionado duas
vezes em Atos: "distribuindo ... à medida que alguém tinha
necessidade" (v.45) , e "nenhum necessitado havia entre eles ... se distribuía
a qualquer um à medida que alguém tinha necessidade" (Atos 4.34 e 35).
E, como João escreveria posteriormente, se nós temos algum
bem material e vemos um irmão em necessidade, mas não compartilhamos o que
possuímos com ele, como podemos afirmar que o amor de Deus permanece em nós? (1
João 3.17) A comunhão cristã é cuidado cristão, e cuidado cristão é
compartilhamento cristão.
3. Era uma igreja que adorava
"Perseveravam ... no partir do pão e nas orações"
(v.42). Ou seja: a comunhão era expressa não somente no cuidado mútuo, mas
também no culto conjunto. Mais que isso: os artigos definidos nas duas
expressões (literalmente, "o partir do pão e as orações") sugerem de
um lado, uma referência à ceia do Senhor (embora seja quase certo que, naquele
primeiro estágio, fazia parte de uma refeição maior) e, do outro, cultos ou
reuniões de oração (mais do que orações individuais). Há dois aspectos do culto
da igreja primitiva que exemplificam seu equilíbrio.
Em primeiro lugar, era formal e informal, pois era realizado
tanto no templo como de casa em casa (v.46), o que é uma combinação
interessante. Pode causar surpresa o fato de terem continuado a usar o templo,
mas usaram. Eles não abandonaram imediatamente o que poderíamos chamar de
igreja institucionalizada. Não creio que ainda participassem dos sacrifícios do
templo, pois já tinham começado a compreender que haviam sido cumpridos no
sacrifícios de Cristo. Mas parece que participavam dos cultos de oração no
templo (cf. Atos 3.1), a não ser que, como se sugere, fossem ao templo para
pregar, e não para orar. Ao mesmo tempo, complementavam os cultos do templo com
reuniões mais informais e espontâneas (que incluíam o partir do Pão) em suas
casas.
O segundo exemplo de equilíbrio no culto da igreja primitiva
está no fato de ele ser alegre e reverente. Não se pode duvidar da alegria
dele; está escrito que tinham alegria e singeleza de coração (v.46) , que
significa literalmente "em exultação [agalliasis] e sinceridade de
coração". Deus havia enviado seu Filho ao mundo, e agora Ihes enviava o
seu Espírito. Eles tinham muitos motivos para se alegrarem. Além disso, "o
fruto do Espírito é ... alegria", às vezes, uma alegria mais desinibida do
que aquela que se vê (ou, até, se aceita dentro das tradições sóbrias das
igrejas históricas). Mas cada culto de adoração deveria ser uma alegre
celebração dos atos poderosos de Deus através de Jesus Cristo. O culto público
pode ser majestoso, mas é imperdoável que seja enfadonho. Ao mesmo tempo, a
alegria deles nunca era irreverente. Se a alegria do Senhor for uma obra do
espírito, o temor do Senhor também será autêntico. Em cada alma havia temor
(v.43), isso parece incluir tanto cristãos como não cristãos. Deus havia
visitado a cidade; estava no meio deles, e eles sabiam disso: curvavam-se
diante dele com humildade, maravilhados.
4. Era uma igreja evangelística
Até aqui, analisamos o estudo, a comunhão e a adoração da
igreja de Jerusalém, pois Lucas afirma que eles perseveravam nessas três áreas.
Mas esses aspectos fazem parte da vida interna da igreja; eles não nos
esclarecem sobre o movimento misericordioso da igreja em direção ao mundo. Já
se pregaram dezenas de milhares de sermões sobre Atos 2.42, e isso ilustra
muito bem o perigo de isolar um texto de seu contexto. Sozinho, o verso 42
apresenta um quadro muito incompleto da vida da igreja. É preciso acrescentar o
versículo 47b: enquanto isso, acrescentava-Ihes o Senhor, dia a dia, os que iam
sendo salvos. Aqueles primeiros cristãos de Jerusalém não estavam preocupados
em estudar, compartilhar e adorar a ponto de esquecerem de evangelizar. Pois o
Espírito Santo é um espírito missionário que criou uma igreja missionária. Como
Harry Boerexpressou em seu livro desafiador, Pentecost And Missions, Atos
"é governado por um tema dominante que prevalece sobre todos os outros e
controla todas as coisas. Esse tema é a expansão da fé através do testemunho
missionário no poder do Espírito ... O Espírito leva a igreja a testemunhar
lncessantenente e os testemunhos fazem com que igrejas surjam continuamente. A
igreja é uma igreja missionária."
Podemos aprender três lições vitais sobre evangelização da
igreja local com esses primeiros crentes de Jerusalém.
Primeiro, foi o Senhor
(ou seja, Jesus) quem fez: acrescentava-Ihes o Senhor. Sem dúvida, ele o fez
através da pregação dos apóstolos, do testemunho dos membros da igreja, do amor
impressionante na vida comunitária deles e do exemplo de todos, pois estavam
louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo (v.47a)
Segundo, Jesus fez duas coisas ao mesmo tempo: ele
acrescentava ... Os que iam sendo salvos (o particípio presente sozoménous
indica algo atemporal ou enfatiza que a salvação é uma experiência progressiva
que culmina com a glorificação final). Ele não os acrescentou à igreja sem salvá-los
(no começo, não havia cristãos solitários). Salvação e participação na igreja
andavam juntas; e continuam andando.
Terceiro, o Senhor acrescentava pessoas
dia a dia. O verbo está no imperfeito ("continuava acrescentando"), e
o advérbio ("diariamente") não deixa nenhuma dúvida. A evangelização
não era uma atividade ocasional ou esporádica da igreja primitiva. Eles não
organizavam campanhas qüinqüenais ou decenais (campanhas são boas, conquanto
que não passem de episódios dentro de um programa contínuo). Não, o culto deles
era diário (46a) , e assim também o testemunho. O louvor e a proclamação eram o
transbordamento. Natural de corações cheios do Espírito Santo. Eles buscavam as
pessoas de fora continuamente, e então os convertidos eram acrescentados
continuamente. Precisamos recobrar essa expectativa de crescimento constante e
ininterrupto da igreja.
Conclusão
Revendo essas marcas da primeira comunidade cheia do
Espírito, fica evidente que todos eles se preocupavam com os relacionamentos
dentro da igreja. E, em primeiro lugar, estavam relacionados aos apóstolos (em
submissão). Estavam ansiosos para receber as instruções deles. Uma igreja cheia
do Espírito Santo é uma igreja apostólica, uma igreja neotestamentária, ansiosa
para crer naquilo que Jesus e seus apóstolos ensinaram, pronta para obedecer.
Em segundo lugar, eles estavam ligados uns aos outros (em amor). Eles
perseveravam na comunhão, amparando-se mutuamente e ajudando os pobres nas suas
necessidades. (Em terceiro lugar, estavam ligados a Deus em adoração). Eles o
adoravam no templo e em casa, nas ceias do Senhor e nas orações, com alegria e
reverência. Uma igreja cheia do Espírito é uma igreja que cultua. Em quarto
lugar. Eles estavam ligados ao mundo (em evangelização). Eles estavam engajados
numa evangelização contínua. Nenhuma igreja egocêntrica, auto-suficiente
(absorta em seus próprios negócios paroquiais) pode afirmar que está cheia do
Espírito. O Espírito Santo é um Espírito missionário.
Portanto, uma igreja do Espírito é uma igreja missionária.
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