23/05/2017

A queda


Gênesis 3.6 “E viu a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento; tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela”.

Na carta aos Romanos, Paulo afirma que toda a humanidade está por natureza sob a culpa do pecado, sob o reino da morte e sob a inescapável ira de Deus (Romanos 1.18 e 19 “Porque do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda a impiedade e injustiça dos homens, que detêm a verdade em injustiça. Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou”, Romanos 3.9,17 e 21 “Pois quê? Somos nós mais excelentes? De maneira nenhuma, pois já dantes demonstramos que, tanto judeus como gregos, todos estão debaixo do pecado - E não conheceram o caminho da paz - Mas agora se manifestou sem a lei a justiça de Deus, tendo o testemunho da lei e dos profetas”). Ele relaciona a origem desse estado ao pecado de um homem. Adão, que ele descreve como nosso ancestral comum (Atos 17.26 “E de um só sangue fez toda a geração dos homens, para habitar sobre toda a face da terra, determinando os tempos já dantes ordenados, e os limites da sua habitação”, Romanos 5.12 a 14 “Portanto, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram. Porque até à lei estava o pecado no mundo, mas o pecado não é imputado, não havendo lei. No entanto, a morte reinou desde Adão até Moisés, até sobre aqueles que não tinham pecado à semelhança da transgressão de Adão, o qual é a figura daquele que havia de vir”, 1Corintios 15.22 “Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo”). Paulo, como apóstolo, deu sua interpretação autorizada à história registrada em Gênesis 3, onde encontramos a narrativa da queda, a desobediência humana original, que afastou o homem de Deus e da santidade, e lançou-o no pecado e na perdição. Os principais pontos dessa história, vista pelas lentes da interpretação de Paulo são:

Deus fez do primeiro homem o representante de toda sua posteridade, exatamente do mesmo modo como faria de Cristo o representante de todos os eleitos de Deus (Romanos 5.15 a 19 “Mas não é assim o dom gratuito como a ofensa. Porque, se pela ofensa de um morreram muitos, muito mais a graça de Deus, e o dom pela graça, que é de um só homem, Jesus Cristo, abundou sobre muitos. E não foi assim o dom como a ofensa, por um só que pecou. Porque o juízo veio de uma só ofensa, na verdade, para condenação, mas o dom gratuito veio de muitas ofensas para justificação. Porque, se pela ofensa de um só, a morte reinou por esse, muito mais os que recebem a abundância da graça, e do dom da justiça, reinarão em vida por um só, Jesus Cristo. Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida. Porque, como pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim pela obediência de um muitos serão feitos justos”, Romanos 8.29 e 30 “Porque os que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou”, Romanos 9.22 a 26 “E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição; Para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou, Os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios? Como também diz em Oséias: Chamarei meu povo ao que não era meu povo; E amada à que não era amada. E sucederá que no lugar em que lhes foi dito: Vós não sois meu povo; Aí serão chamados filhos do Deus vivo”).

Em ambos os casos, o representante envolveu aqueles a quem representou nos resultados de sua ação pessoal, quer para o bem (no caso de Cristo), quer para o mal (no caso de Adão). Esse arranjo divinamente estabelecido, pelo qual Adão determinou o destino de seus descendentes, tem  sido chamado de a “aliança das obras”, ainda que essa frase não ocorra nas Escrituras.
Deus colocou Adão num estado de felicidade e prometeu a ele e sua posteridade confirmá-los nesse estado permanentemente, se Adão mostrasse fidelidade, obedecendo ao mandamento de Deus, não comendo da árvore descrita como a “arvore do conhecimento do bem e do mal” (Gênesis 2.17 “Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás”). Aparentemente, a questão era se Adão aceitaria Deus determinar o que era bom e mal ou se procuraria decidir isso por si mesmo, independentemente do que Deus lhe tinha dito.

Adão, levado por Eva, que por sua vez foi induzida pela serpente (Satanás disfarçado, 2 Coríntios 11.3 e 14 “Mas temo que, assim como a serpente enganou Eva com a sua astúcia, assim também sejam de alguma sorte corrompidos os vossos sentidos, e se apartem da simplicidade que há em Cristo - E não é maravilha, porque o próprio Satanás se transfigura em anjo de luz”, Apocalipse 12.9 “E foi precipitado o grande dragão, a antiga serpente, chamada o Diabo, e Satanás, que engana todo o mundo; ele foi precipitado na terra, e os seus anjos foram lançados com ele”) afrontou a Deus comendo do fruto proibido. Como conseqüência, primeiro de tudo, a disposição mental que se opõe a Deus e se engrandece a si mesmo, expressa no pecado de Adão, tornou-se parte dele e da natureza moral que ele transmitiu aos seus descendentes (Gênesis 6.5 “E viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente”, Romanos 3.9 a 20 “Pois quê? Somos nós mais excelentes? De maneira nenhuma, pois já dantes demonstramos que, tanto judeus como gregos, todos estão debaixo do pecado; Como está escrito: Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; Não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só. A sua garganta é um sepulcro aberto; Com as suas línguas tratam enganosamente; Peçonha de áspides está debaixo de seus lábios; Cuja boca está cheia de maldição e amargura. Os seus pés são ligeiros para derramar sangue. Em seus caminhos há destruição e miséria; E não conheceram o caminho da paz. Não há temor de Deus diante de seus olhos. Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz, aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda a boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus. Por isso nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado”). Em segundo lugar, a Adão e Eva foram dominados por um senso de profanação e culpa, que os levou a ter vergonha e medo de Deus, com justificada razão. Em terceiro lugar, eles foram amaldiçoados com expectação. Fez para ele vestimenta para cobrir sua nudez e prometeu-lhes que, um dia, a Semente da mulher esmagaria a cabeça de serpente. Essa promessa prenunciou Cristo.

Ainda que essa historia, de certo modo, seja contada em estilo figurado, o livro de Gênesis pede-nos que a leiamos como historia. No gênesis, Adão está ligado aos patriarcas e, através deles, por genealogia, ao resto da raça humana (Gênesis 5.10 e 11 “E viveu Enos, depois que gerou a Cainã, oitocentos e quinze anos, e gerou filhos e filhas. E foram todos os dias de Enos novecentos e cinco anos, e morreu”), fazendo dele uma parte da historia, tanto quanto Abraão, Isaque e Jacó.Todas as principais personalidades do livro de Gênesis, depois de Adão exceto José são mostradas claramente como pecadoras de um modo ou de outro, e a morte de José, como a morte de quase todos os outros na historia, é cuidadosamente registrada (Gênesis 50.22 a 26 “José, pois, habitou no Egito, ele e a casa de seu pai; e viveu José cento e dez anos. E viu José os filhos de Efraim, da terceira geração; também os filhos de Maquir, filho de Manassés, nasceram sobre os joelhos de José. E disse José a seus irmãos: Eu morro, mas Deus certamente vos visitará, e vos fará subir desta terra à terra que jurou a Abraão, a Isaque e a Jacó. E José fez jurar os filhos de Israel, dizendo: Certamente vos visitará Deus, e fareis transportar os meus ossos daqui. E morreu José da idade de cento e dez anos, e o embalsamaram e o puseram num caixão no Egito”). A afirmação de Paulo: em Adão, todos morrem (1 cor 15.22 “Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo”) só torna explicito aquilo que o Gênesis já deixa claramente implícito.


É razoável afirmar que a narrativa da queda sozinha dá uma explicação convincente para a perversão da natureza humana. Pascal disse que a doutrina do pecado original parece uma ofensa a razão, porem, uma vez aceita, dá sentido total á condição humana. Ele estava certo, e a mesma coisa poderia e deveria ser dita a respeito da própria narrativa da queda.

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