02/01/2019

Evangelho de Marcos



O segundo livro do Novo Testamento e o mais antigo dos quatro evangelhos, de acordo com a maioria dos estudiosos do Novo Testamento. O Evangelho de Marcos retrata a pessoa de Jesus mais pelo que Ele faz do que pelo que Ele diz. É caracterizada por um estilo vívido e direto que deixa a impressão de familiaridade com os eventos originais.

Embora Marcos seja o mais curto dos quatro evangelhos, presta muita atenção a questões de interesse humano. Marcos gosta de ligar os episódios do ministério de Jesus com palavras de ordem (por exemplo, “imediatamente”, “então”), em vez de comentários editoriais; e frequentemente ele interrompe uma história mais longa inserindo uma menor dentro dela (Marcos 5.21 a 43, 6.6 a 30, 11.12 a 25 e 14.1 a 11).

Importância do Evangelho de Marcos

Este Evangelho, o segundo dos livros do Novo Testamento, contém pouco material que não apareça igualmente em Mateus e Lucas. Apenas cinco passagens de Marcos (3.7 a 12, 4.26 a 29, 7.32 a 37, 8.22 a 26 e 14.51 e 52) e alguns versículos isolados não foram registrados nos outros dois Evangelhos. Por essa razão, durante muito tempo, não se deu a Marcos a importância teológica e literária que realmente tem.

No entanto, desde o século 19, começou a firmar-se a ideia de que o “segundo Evangelho” foi básico na preparação de Mateus e Lucas. E, ao considerar-se assim que Marcos é o documento mais antigo que possuímos sobre a vida e a obra de Jesus, foi despertado um grande interesse por estudá-lo.
Autor

A opinião mais generalizada identifica o autor do nosso Evangelho com João Marcos (ou só João), parente de Barnabé (Colossenses 4.10) e filho de Maria, a qual morava em Jerusalém, em uma casa que dispunha de um “cenáculo onde se reuniam” os apóstolos (Atos 1.13 e 12.12). Foi colaborador de Paulo (Atos 12.25 e 13.5 e 13, 15.37 e 39, 2 Timóteo 4.11 e Filemom 24) e, talvez, discípulo de Pedro, que na sua primeira carta o menciona como “meu filho Marcos” (1 Pedro 5.13).
Marcos não é um historiador no sentido que hoje damos ao termo. Antes, é um narrador que conta o que chegou ao seu conhecimento. Escreve em grego, com a rusticidade característica de quem está usando um idioma que não lhe é próprio e, contudo, sabe desenvolver um estilo vivo e vigoroso. Recorre, provavelmente, à memória de coisas ouvidas, mas é capaz de criar no leitor a impressão de encontrar-se ante uma testemunha ocular dos fatos relatados.

Propósito do Evangelho

Marcos não parece preocupado com questões biográficas. Exemplo disso é a ausência na sua obra de uma história do nascimento e da infância de Jesus, da maneira como o fazem Mateus e Lucas. Ademais, em termos gerais e excetuando talvez os capítulos da prisão, julgamento, crucificação e ressurreição do Senhor (14 a 16), os dados cronológicos consignados pelo evangelista não permitem estabelecer com precisão a ordem em que ocorrem os acontecimentos.
O que realmente importa ao evangelista é testificar que à pergunta sobre quem é Jesus a primeira comunidade cristã respondeu com convicção: Jesus é o Filho de Deus. E, fazendo-se eco dessa afirmação de fé, Marcos inicia a sua mensagem enunciando solenemente: “Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” (1.1, conferir também 1.11, 3.11, 5.7, 9.7, 14.61 e 15.39).

Características teológicas e literárias

Este Evangelho proclama em cada uma das suas páginas que Jesus é a revelação definitiva de Deus, o qual, em seu Filho eterno, se integra na história da humanidade: Jesus, o singelo mestre chegado da Galileia (1.9), é o Cristo, o Messias a quem desde séculos antigos esperava o povo de Israel (8.29, 9.41, 14.61 a 62). O evangelista anuncia a presença de Jesus no mundo como o sinal imediato da vinda do reino de Deus (1.14 e 15, 4.1 a 34).
A personalidade de Jesus, entretanto, não satisfaz às expectativas judaicas, pois longe de apresentar-se como messias político e militar, o faz como um homem humilde cuja atividade e ensinamentos não correspondiam à imagem triunfante de um libertador nacional.
Jesus de Nazaré, o Filho de Deus, é também o Filho do Homem. Participa dos sentimentos humanos e é sujeito ao sofrimento e à morte (8.31). Com consciência da sua natureza humana, exige frequentemente que a sua função messiânica se mantenha em segredo (1.43 e 44, 5.43, 8.29 a 30, 9.9,30 e 31), até que chegue o momento de ser acreditada pelos padecimentos morais e físicos que ele deverá enfrentar (14.35 e 36, 15.39).

Uma característica típica de Marcos é que dedica mais espaço aos atos que aos discursos de Jesus. Na realidade, só dois desses últimos podem ser considerados como tais: a série de parábolas de 4.1 a 34 e o sermão escatológico de 13.3 a 37. Tudo mais são breves intervenções de ensinamento, exortação ou controvérsia. Por outro lado, o evangelista concede à descrição dos atos um espaço mais amplo, inclusive, às vezes, superior ao que Mateus e Lucas dedicam a narrativas paralelas (conferir Marcos 5.21 a 43 com Mateus 9.18 a 26 e Lucas 8.40 a 56 e Marcos 6.14 a 29 com Mateus 14.1 a 12).
À medida que progride, o desenvolvimento dramático do segundo Evangelho cresce em intensidade, até alcançar o seu ponto culminante no relato da paixão, crucificação e ressurreição de Jesus. O Senhor anuncia três vezes esses acontecimentos aos seus discípulos: “O Filho do Homem será entregue aos principais sacerdotes e aos escribas... e o entregarão aos gentios; hão de... matá-lo; mas, depois de três dias, ressuscitará”. Os discípulos não compreenderam até o último momento que o sacrifício de Jesus Cristo fazia parte do plano de salvação de que Deus o havia incumbido (8.32 a 38 e 16.19 a 20).

Leitores, tempo e lugar

Com respeito à composição de Marcos, é provável que teve lugar em Roma ou, talvez, na Antioquia da Síria, antes do ano 70, data em que Jerusalém foi destruída. Não há base cronológica que permita datá-la com exatidão, de forma que alguns historiadores a situam entre 65 e 70, isto é, nos anos que seguiram à perseguição de 64, decretada por Nero; outros situam a data em torno do ano 63; e ainda outros a fazem retroceder até a década de 50.
A antiga tradição eclesiástica viu neste Evangelho a influência dos ensinamentos de Pedro, de quem Marcos teria sido discípulo. Em princípio, foi escrito para leitores de origem gentílica, residentes fora da Palestina. Assim o sugere, entre outras peculiaridades, o fato de que o autor acrescenta à tradução grega expressões cujo original aramaico incorpora ao texto com a maior fidelidade (5.41, 7.11 e 34, 14.36, 15.22 e 34).

Estrutura do Evangelho

A estrutura formal de Marcos tem dado lugar a diversas análises e a diferentes possibilidades de dividir o texto. A que mais adiante se oferece toma como base a revelação progressiva que Jesus faz de si mesmo: por um lado, a sua personalidade (1.7 a 11, 4.41, 8.27 a 29, 9.7), o seu poder frente à natureza, à dor e à morte (1.30 e 31 e 40 e -42, 2.3 a 12, 4.37 a 39, 5.22 a 42, 6.45 a 51) e a sua luta contra as forças do mal (1.24 a 27, 3.11, 5.15 e 19, 9.25 a 27); por outro lado, a índole da sua missão, primeiro como mestre e profeta (1.37 a 39, 2.18 a 28, 3.13 a 19 e 23 a 29, 4.1 a 34, 9.2 a 10.45, 13.3 a 37, 14.61 a 62) e definitivamente como Senhor e Salvador (16.15 a 18).

Estrutura Literária

O Evangelho de Marcos cai naturalmente em duas metades, a primeira sobre o ministério de Jesus na Galileia (1.1 a 8.26), e a segunda sua jornada para Jerusalém e sua paixão por lá (8.27 a 16.8). A primeira metade começa com a declaração do propósito do evangelho (1.1), seguido do aparecimento de João Batista (1.2 a 8) e do batismo de Jesus (1.9 a 11). A tentação no deserto é mencionada, mas não elaborada (1.12 e 13), e a introdução conclui com uma cápsula da mensagem de Jesus: “Chegou a hora. O reino de Deus está próximo. Arrependa-se e acredite nas boas novas!” (1.14 e 15).
Em seguida, segue uma série de treze vinhetas cuidadosamente elaboradas, retratando Jesus como professor, curador e exorcista em Cafarnaum e arredores, muitas vezes em conflito com as autoridades judaicas (1.16 a 3.25). O capítulo 4 é uma assembleia seleta das parábolas de Jesus, a maioria das quais trata do cultivo de sementes.

Marcos retoma o ministério de Jesus como pregador e curador ao ar livre em 4.35 a 8.26. Oposição a Jesus de Herodes Antipas e de líderes religiosos judeus o forçou a deixar a Galileia e embarcar em uma jornada tortuosa nas regiões gentias da Fenícia e Decápolis. Os “estrangeiros” gentios exibem uma notável abertura e aceitação de Jesus e do evangelho, enquanto que os “insiders”, especialmente os discípulos, são tão obstinados quanto os líderes religiosos, embora não com má intenção.

A segunda metade do Evangelho começa em 8.27, com Jesus não mais circundando o Mar da Galileia, mas “a caminho” de Jerusalém. O caminho para Jerusalém começa com a confissão de Pedro em Cesaréia de Filipe. Jesus pergunta a seus discípulos: “Quem dizem as pessoas que eu sou?” (8.27). Pedro responde: "Você é o Cristo" (8.29). Jesus choca os discípulos, explicando que o Cristo deve sofrer e morrer; Além disso, quem quiser ser seu discípulo deve estar preparado para o discipulado (8.31 a 9.1). Uma gloriosa transfiguração de Jesus segue esse terrível pronunciamento, que mostra que o Pai no céu confirma o papel de Jesus como o Filho do homem que sofre (9.2 a 13).
Depois de Cesaréia de Filipe, a narrativa é dirigida resolutamente a Jerusalém. “No caminho” Jesus três vezes prediz seu iminente sofrimento, morte e ressurreição (8.31, 9.31, 10.33 e 34). As grandes multidões que o assistiram na Galileia caíram e Jesus se concentra em ensinar aos Doze o significado do discipulado. “Quem quiser ser grande entre vós deve ser teu servo. Pois o próprio Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos” (10.43 a 45). Embora Jesus entre em Jerusalém como um peregrino célebre (11.1 a 10), Marcos significa sua ruptura com a Cidade Santa por sua remoção noturna para Betânia, fora de Jerusalém (11.11) e por seu julgamento no templo (11.12 a 21).Os capítulos 11 a 13 contêm uma série de testes e armadilhas dentro e ao redor do templo, a maioria dos quais evidencia a hostilidade do Sinédrio a Jesus e a correspondente rejeição de Jesus ao templo. No capítulo 13, a destruição do templo torna-se um símbolo das aflições que assombrarão os fiéis antes do Dia do Senhor e do retorno do Filho do Homem. Os capítulos 14 e 15 compreendem o coração do relato da paixão. Uma solene Última Ceia com os discípulos é ambientada em meio a intrigas e traição, não apenas por adversários judeus e romanos, mas também por seus discípulos. Uma prisão clandestina leva a duas audiências, uma pelo Sinédrio judaico (14.53 a 72) e uma por Pôncio Pilatos, o governador romano (15.1 a 20). O acento na cena da crucificação cai menos no sofrimento físico de Jesus do que em seu abandono (mesmo por Deus, 15.34) e no escárnio de seus adversários. No momento da sua morte, um centurião gentio confessa Jesus como o Filho de Deus (15.39). A derrota é assim transformada em vitória, à medida que o Filho de Deus é revelado no sofrimento. A forma mais antiga do Evangelho termina com um anúncio angélico da ressurreição de Jesus (16.1 a 8); um final secundário posterior inclui várias aparições de ressurreição de Jesus (16.9 a 20).

Teologia

Já que a teologia de Marcos é apresentada na forma de uma narrativa, resumindo que a teologia realmente significa visualizar a história de Marcos e destacar alguns de seus principais temas.
A vinda de Jesus marca a chegada do reino de Deus, o reinado dinâmico de Deus. Suas obras poderosas são as obras de Deus. Seu ensinamento autoritário interpreta os caminhos de Deus. Suas parábolas misteriosas separam aqueles com discernimento espiritual daqueles que já rejeitaram Jesus. Aqueles com olhos para ver, discernem que em todo o Jesus, o reino secreto está sendo estabelecido.
Quando Pedro confessa a Jesus como o Messias, Jesus volta sua atenção para os temas inseparáveis do destino do Messias e o caminho do reino de Deus. Aceitar o reinado de Deus seguindo esse Messias significa auto sacrifício, servidão, humildade, estar com os fracos e rejeitar os caminhos famintos por poder e busca de glória do mundo. Significa fidelidade a um Messias que sofrerá e morrerá. Significa viver pelos valores do reino vindouro, onde os pensamentos de Deus, não os pensamentos humanos, determinam o que é certo.

Em Jerusalém, Jesus e sua mensagem são proclamados (às vezes ironicamente) - pela multidão de festivais, pelo próprio Jesus, pelas Escrituras e por uma mulher expressando sua devoção a Jesus e, inadvertidamente, ungindo-o como o Messias. Em Jerusalém, Jesus também é rejeitado, por Judas, por líderes religiosos, por multidões nacionalistas e por Pilatos, que cede à pressão e autoriza a execução do verdadeiro Rei de Israel.
Na morte injusta de Jesus, sua verdadeira identidade é revelada: Ele é o Filho de Deus e o Messias, que deu sua vida para redimir os outros. Depois de três dias, o crucificado torna-se o ressuscitado. Jesus oferece novos começos para aqueles que falharam com ele; eles são convidados de volta a uma vida de discipulado e missão fiéis.

Em 16.8, termina a narrativa de Marcos (16.1 a 8) com uma mensagem provocativa de ressurreição oferecendo segundas oportunidades aos discípulos que não seguiram e que têm medo de proclamar boas notícias. Mas a história de Marcos inclui orientação para o período pós-ressurreição de espera pelo retorno do Filho do Homem com grande poder e glória. No tempo do fim, assistir não tem nada a ver com buscar sinais ou esboçar o cronograma de Deus (13). Aqueles que se mantêm alertas discernem respostas apropriadas a crises de todos os tipos, proclamam corajosamente o Evangelho, servem e seguem a Jesus até o fim.

À medida que a narrativa se desdobra, certos temas surgem como centrais. O mais importante deles é a Cristologia: quem é Jesus? Os principais títulos de Marcos para Jesus são Cristo e Filho de Deus. O sigilo envolve os dois títulos, porque seu verdadeiro significado só pode ser entendido por aqueles que aceitam o caminho da cruz.

Características

O evangelho de Marcos é o mais breve dos evangelhos do cânon. E conciso e repleto de ação, uma característica que seria cativante para a mente prática dos romanos, para quem, sem dúvida, foi originariamente escrito. A parte dedicada aos atos de Jesus, em comparação com as suas palavras, é maior no evangelho de Marcos do que nos outros. Dezoito milagres são registrados, em contraste com apenas quatro parábolas completas. Nota-se um número excepcionalmente grande de relatos de expulsão de demônios por parte de Jesus (1.23 a 27 e 32 a 34, 3.11 e 22 a 27, 5.1 a 20, 7.25 a 30, 9.17 a 29). O evangelho fornece poucos comentários acerca desses acontecimentos, e em geral as ações falam por si mesmas. Diferentemente de biografias comuns, o evangelho de Marcos não relata nada acerca do nascimento de Jesus, seu crescimento e aparência; tampouco especifica a duração do seu ministério público, nem sua idade na época da crucificação. Cerca de um terço do relato é dedicado à descrição dos oito dias entre a entrada de Jesus montado no jumento e sua ressurreição.

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