22/01/2019

O que são os 5 solas da reforma protestante




Os 5 solas são proposições teológicas que sintetizam os pilares da Reforma Protestante. Eles expressam em cinco frases latinas o conceito da teologia reformada em oposição à teologia católica.

Os cinco solas são: sola Scriptura, solus Christus, sola Gratia, sola Fide e soli Deo Gloria.

A palavra latina sola significa “unicamente” ou “somente”. Assim, os 5 Solas significam: Somente a Escritura, Somente Cristo, Somente a Graça, Somente a Fé e Somente a Deus a Glória.

A origem dos 5 solas.

Apesar de os conceitos expressos nos 5 solas serem evidentes na teologia da Reforma Protestante, tais conceitos foram sintetizados tempos depois quando teólogos reformados analisaram de forma sistemática as diretrizes da Reforma.

São elas: a centralidade das Escrituras (Sola Scriptura); a justificação pela fé (Sola Gratia, Solus Christus, Sola Fide, Soli Deo Gloria); e o sacerdócio de todos os crentes.

É difícil saber quem utilizou pela primeira vez a expressão “5 solas”. Acredita-se que isso se deu a partir do período em que foram formulados os catecismos e as confissões de fé da Igreja Protestante. Da forma como é utilizada hoje, isto é, como um tipo de slogan da teologia reformada, provavelmente a expressão 5 solas somente passou a ser utilizada pelos cristãos a partir do último século.

Sola Scriptura (Somente a Escritura)

O sola Scriptura indica a inspiração, autoridade, suficiência, infalibilidade e inerrância das Escrituras. Isso significa que somente a Palavra de Deus deve ser identificada como regra de fé e prática da Igreja. Os reformadores acreditavam que a autoridade das Escrituras não depende do testemunho de qualquer homem ou mesmo da Igreja, mas unicamente do próprio Deus, seu Autor. Esse conceito contrastava diretamente com a teologia da Igreja Medieval. Naquela época a autoridade papal, a tradição e as formulações dos concílios possuíam autoridade equiparável às Escrituras. Todavia, apenas a Bíblia é a auto revelação especial de Deus e de sua vontade ao homem.

Solus Christus (Somente Cristo).

Solus Christus significa que Cristo é o único mediador entre Deus e o homem. Nenhum outro complemento precisa ser adicionado a sua obra redentora. Seu sacrifício substitutivo em nosso lugar é suficiente para o perdão de nossos pecados satisfazendo plenamente a justiça de Deus. Essa posição combatia o entendimento da liderança da Igreja que colocava outras pessoas em posição especial entre Deus e o restante dos homens. A Bíblia diz que somente pelos méritos de Cristo o homem pecador pode ser justificado diante de Deus. Nenhuma outra pessoa tem o poder de prover a reconciliação do homem com o Criador.

Sola Gratia (Somente a Graça).

Sola Gratia significa que a salvação é somente pela graça. Isso significa que ela é uma obra realizada unicamente por Deus não dependendo de qualquer cooperação humana. O homem nasce morto em seus delitos e pecados, e não pode obter a salvação mediante suas obras. Ele nem mesmo tem capacidade para desejar e amar aquilo que é espiritualmente bom. Na época da Reforma a Igreja estava envolvida num verdadeiro comércio da salvação. Vendia-se perdão de pecados a quem pudesse pagar. As esmolas, as boas obras, o comprometimento com as tradições da Igreja e as doutrinas humanas desenvolvidas por ela, garantiam um suposto lugar no paraíso aos seus fiéis. Mas definitivamente o homem não pode comprar a salvação pelos seus próprios esforços, nem mesmo optar por ela com sua vontade escravizada pelo pecado.

Sola Fide (Somente a Fé).

Sola Fide significa que a justificação é unicamente pela fé em Cristo, e até mesmo essa fé não tem origem no próprio homem, mas é dom de Deus. O homem não regenerado é incapaz de confessar que Jesus é o Cristo, o Unigênito de Deus. É somente através da obra sobrenatural do Espírito Santo fazendo-o nova criatura, que o homem pode responder com fé e arrependimento a mensagem do Evangelho. Este foi um ponto essencial na Reforma Protestante. Lutero se empenhou durante um longo tempo em uma grande busca pela salvação de sua alma. Mas ele teve sua vida transformada quando o Espírito Santo iluminou seu entendimento e ele conseguiu compreende toda verdade que há na declaração das Escrituras de que o justo viverá pela fé (Romanos 1.17).

Soli Deo Gloria (Somente a Deus a Glória).

O Soli Deo Glória é o resultado natural do Sola Scriptura, Solus Christus, Sola Gratia e Sola Fide. Quando se entende que somente a Palavra Deus é regra de fé e prática, que ela revela que unicamente Cristo é o mediador entre Deus e o homem, e que a salvação não vem de obras humanas, mas é pela graça mediante a fé, não há outra interpretação possível a não ser a de que a glória pertence somente a Deus. O propósito último da criação de todas as coisas e da salvação do homem é a glória de Deus. Deus é glorificado tanto naqueles que recebem a mensagem do Evangelho com a manifestação de sua graça, quanto naqueles que rejeitam o Evangelho com a manifestação de sua ira. Ninguém pode ocupar o lugar de Deus. Ele não divide Sua glória com ninguém e toda adoração nos céus e na terra pertence somente a Ele.

Infelizmente quando comparamos os 5 solas com o pensamento de muitas igrejas protestantes da atualidade, percebemos o quão distante elas estão das bases da Reforma e consequentemente das Escrituras.

21/01/2019

Evangelho de João



O Evangelho de João ou Evangelho segundo João é o quarto evangelho na ordem do Novo Testamento, considerado por muitos como o mais profundo e teológico livro do Novo Testamento. Embora, em certo sentido, seja simples, direto, penetrante e seja compreendido por pessoas comuns, ainda assim, em outro aspecto, é uma revelação sublimemente profunda, compreendida apenas por eruditos espirituais. Alguns o chamam de “o maior livro do mundo”.

Introdução

Mesmo o leitor casual do Novo Testamento notará que os três primeiros relatos da vida de Jesus são geralmente semelhantes em sua linha geral, enquanto o quarto Evangelho (João) é bem diferente. Os eruditos referem-se a Mateus, Marcos e Lucas como os Evangelhos Sinóticos (Sinóptico, “vistos juntos” ou “como paralelos”) por causa de suas semelhanças, mas João é chamado, bem... João (sem nome especial). Faz parte da coleção do Novo Testamento conhecida como os Escritos Joaninos (João, 1, 2, 3 João e Apocalipse). As diferenças entre os Evangelhos Sinópticos e o Evangelho de João são prontamente aparentes para o leitor alerta. Por exemplo, os sinóticos todos apresentam uma grande viagem de Jesus da Galileia a Jerusalém, enquanto João retrata Jesus como estando na Judeia e em Jerusalém com frequência. De fato, para João, o ministério primário de Jesus parece estar na Judeia, e não no cenário Galileu dos sinóticos. Outra diferença é vista na falta de parábolas verdadeiras de João em seus ensinamentos registrados de Jesus. Nos sinóticos, parábolas são a forma característica do ensinamento de Jesus, com a introdução muitas vezes repetida, “Jesus disse-lhes uma parábola, dizendo: “o reino de Deus é assim...” João também é carregado com caracteres, nós não encontramos nos sinóticos: Nicodemos, a mulher samaritana no poço, e Lázaro, só para citar alguns. Além disso, algumas das nossas memoráveis frases do Evangelho não são encontradas nos sinóticos, mas apenas em João: “No princípio era o Verbo.” “Eis o Cordeiro de Deus”!” “Deus amou tanto o mundo que ele deu seu único Filho”. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. “Eu sou a videira.” “O que é a verdade?” “Está acabado!” “Então, envie-me você” Segundo algumas estimativas, cerca de 90% do material encontrado em João não é encontrado nos Evangelhos Sinóticos. Os estudiosos cristãos notaram essas diferenças desde os tempos antigos. Clemente de Alexandria, escrevendo aproximadamente no ano 185, chamou João de “Evangelho Espiritual”. Com isso, Clemente não quis dizer que João não era histórico, mas que João estava mais preocupado com assuntos internos e espirituais. No passado mais recente, estudiosos excessivamente críticos declararam que as diferenças entre João e os sinóticos eram irreconciliáveis e concluíram que João é, na verdade, o primeiro comentário sobre os Evangelhos. Esta suposição (que João é ficção histórica) existe em muitos comentários de gerações anteriores e ainda é mantida por alguns hoje. Em geral, porém, o conhecimento atual é muito menos certo sobre o caráter não-histórico de João. Neste comentário, assumimos que João relata uma versão historicamente confiável da vida, morte e ressurreição de Jesus, embora bem diferente daquela dos Evangelhos Sinópticos. Essas diferenças são parte do que torna o estudo deste livro tão fascinante e será discutido nos lugares apropriados através do comentário.

Autoria

Uma antiga evidência externa aponta o apóstolo João como o autor. O testemunho dos patriarcas da igreja é quase unânime em favor desta posição. A evidência interna é dupla em tipo. A evidência indireta indica que o autor era judeu, um judeu da Palestina, uma testemunha, um apóstolo, e que o apóstolo era João. Uma evidência interna direta não é, em si, conclusiva, exceto pelo fato de que está claro que o próprio autor testemunhou grande parte daquilo que registrou. Ela não será conclusiva se o nome da testemunha não for citado. João escreve que “o Verbo se fez carne e habitou entre nós” (1.14), indicando que o Deus encarnado esteve entre aqueles com quem o próprio escritor estava associado. Novamente ele declara ser testemunha da cena da crucificação. Quando o soldado perfurou o lado do Senhor, saíram sangue e água. O escritor atesta o seu testemunho: “E aquele que o viu testificou, e o seu testemunho é verdadeiro” (19.35). Sem apresentar seu nome, o autor se identifica, em sua conclusão do Evangelho, como uma testemunha: “Este é o discípulo que testifica dessas coisas e as escreveu” (21.24). João era filho de Zebedeu, um pescador, e de Salomé (Marcos 15.40, 16.1, Mateus 27.56). Pensa-se que era mais jovem do que seu irmão, Tiago. Evidentemente, eram os membros da família de Zebedeu pessoas que detinham posses. Eles haviam contratado empregados (Marcos 1.20) e, de acordo com João 19.27, João cuidou de Maria após a morte de Jesus. Embora o nome do apóstolo não seja mencionado como discípulo de João Batista, há razão para crer que ele era um dos dois discípulos citados em João 1.35 a 40. Se este for o caso, fica evidente que o apóstolo foi primeiro um discípulo de João Batista e, mais tarde, deixou-o para seguir a Jesus, tornando-se um discípulo que dedicou tempo integral a servir o Mestre (Mateus 4.18 a 22, Marcos 1.19 e 20, Lucas 5.1 a 11, João 1.29 a 46). João fazia parte do círculo íntimo de discípulos, juntamente com seu irmão, Tiago, e também Pedro. Em várias ocasiões, durante a última metade do ministério de Jesus, os três discípulos foram atraídos para um relacionamento mais íntimo com Jesus, mais do que os outros discípulos (Mateus 17.1 a 8, Marcos 9.2 a 8, Lucas 9.28 a 36 e 49). Pedro e João foram os únicos a seguir Jesus até o lugar do julgamento (João 18.15 e 16), e somente João foi com Ele até o Gólgota (João 19.26). Foram João e Pedro que correram até o sepulcro na primeira manhã de Páscoa (João 20.3 e 4). O apóstolo é mencionado nove vezes no livro de Atos. Ali, sua presença ficou obscurecida diante do destaque da liderança de Pedro. Paulo o cita nominalmente como um dos líderes da igreja em Jerusalém (Gálatas 12.9).

O Apocalipse, cuja autoria é comumente atribuída a João, é a última referência das Escrituras ao apóstolo. O seu auto retrato mostra-o na ilha de Patmos (Apocalipse 1.9), como um profeta e homem de Deus que recebeu visões da parte do Senhor. A antiga literatura patrística faz referências ocasionais ao apóstolo, deixando evidente que este era morador de Éfeso. Westcott cita Jerônimo, que relatou: “Permanecendo em Éfeso até uma idade avançada, podendo ser transportado para a igreja apenas nos braços de seus discípulos, e incapaz de pronunciar muitas palavras, João costumava dizer não muito mais do que: Filhinhos, amai-vos uns aos outros. Por fim, os discípulos e patriarcas que ali estavam, cansados de ouvir sempre as mesmas palavras, perguntaram: Mestre, por que sempre dizes isto? E o mandamento do Senhor, foi a sua digna resposta, e se apenas isto for feito, será o suficiente”. Uma vez que o apóstolo era da Galileia, e de ascendência judaica, sua formação dava-lhe a amplitude de experiência necessária para entender e interpretar a vida, os ensinos, o ministério, a morte e a ressurreição de Jesus, tanto do ponto de vista judaico quanto do helenístico.

Lugar e Data

Descobrimos que os últimos anos de João foram passados ​​na Ásia Menor e principalmente em Éfeso. Irineu, que tinha excelentes fontes de informação e foi educado na mesma região por um discípulo de João, declara que o Evangelho foi escrito em Éfeso, com ele concorda Jerome e escritores posteriores. Foi, portanto, escrito após a partida do Apóstolo para esta parte do mundo, e não pode haver dúvidas de que o seu lugar de composição era a grande metrópole desta parte do mundo, e por um longo período após a queda de Jerusalém, o principal centro do cristianismo. Depois da destruição de Jerusalém, Éfeso tornou-se o centro da vida cristã no Oriente. Mesmo Antioquia, a fonte original das missões aos gentios, e a futura metrópole do patriarca cristão, aparece por um tempo menos evidente na obscuridade da história da igreja primitiva do que Éfeso, à qual Paulo escreveu sua epístola, e na qual João encontrou um morada e um túmulo. “Essa metade da metade da cidade, metade oriental, visitada por navios de todas as partes do Mediterrâneo e unida por grandes estradas com os mercados do interior, era o ponto de encontro comum de vários personagens e classes de homens”.
Da data em que não podemos ter conhecimento certo. Existem evidências internas que remetem ao último quarto do primeiro século. Tem sido sustentado por alguns críticos que é a última composição do Novo Testamento, mas acho que contém evidências internas de que foi composto antes do Apocalipse, enquanto o último parece em suas últimas palavras encerrar o cânon sagrado. Além disso, a voz da igreja primitiva concorda que o Evangelho teve a data anterior. Foi quase certamente composto entre 75 e 90. Uma tradição vaga de que foi escrito durante o exílio em Patmos não tem autoridade. Alford fixa a data entre 70 e 85, Macdonald 86, Godet entre 80 e 90, Tholuck não muito longe de 100.

Texto do Evangelho

As porções mais antigas do Novo Testamento que ainda existem são do Evangelho de João. Estas incluem os Papiros Rylands 457 (P52) sobre João 18.31 a 33,37 e 38, com data entre 125 e 150. Um outro texto antigo é o Papiro Egerton 2 (140 a 160), publicado por Bell e Skeat em 1935. O Papiro Bodmer 2 (Papiro 66 e 75) está classificado entre os textos mais antigos e completos do quarto Evangelho sobreviventes. Eles são datados em cerca de 200 anos depois de Cristo, Os estudiosos têm reparado o alto grau de correlação entre Papiro75 e Códice B. Nestes textos de Bodmer várias passagens de autenticidade duvidosa estão ausentes, incluindo João 5.4 e 8.1 a 11. Estes textos recém descobertos tendem a justificar os labores do criticismo do Novo Testamento, como refletido nos textos de Westcott Hort e de Nestle e no texto crítico mais recente das Sociedades Bíblicas Americana e Europeia, editado por Aland, Black, Metzger e Wikgren (1966). Dos textos antigos, muitos creem que o Papiro 75 é o mais exato.

Vocabulário Joanino

O vocabulário joanino característico é uma pista importante para o propósito do Evangelho. Até o leitor casual do quarto Evangelho ficará impressionado pelo paradoxo extraordinário de uma dicção simples e um pensamento profundo. Os termos mais característicos no vocabulário joanino são comuns. Alguns deles são monossilábico. Estes incluem palavra, mundo, luz, vida, conhecimento, amor, ódio e verdade. Igualmente notáveis são glória, trevas, fé e mal. Embora as palavras sejam muito comuns, elas carregam um peso enorme de teologia. Quem pode esquadrinhar a profundeza e largura de conceitos neste Evangelho como vida, luz, glória, amor e verdade? E característica também deste autor usar contrastes audaciosos, como entre Deus e o diabo, o crente e o mundo, a luz e as trevas, a verdade e a mentira, a vida e a morte. Provavelmente o termo simples mais importante neste Evangelho seja a palavra “vida”. Este é o tema central do livro. Embora amor também seja proeminente aqui, antes que haja amor deve haver vida. Contudo, à luz do prólogo joanino e seu antecedente no relato da criação de Gênesis, pode bem ser que, num sentido cosmológico, a luz venha antes da vida. O tema fundamental deste Evangelho é que em Cristo há vida e “a vida é a luz dos homens”. O propósito do Evangelho é também resumido em termos de vida. O fim em vista é a vida eterna e o caminho para este é a fé no Filho de Deus (20.31).

Principais Temas

1 - Vida. Como observado previamente, o principal interesse de João é com a vida divina, a vida que está em Deus e que, sob certas condições, pode ser compartilhada pelos homens. A condição básica deste compartilhamento é crer em Jesus como o Filho de Deus. Este interesse circundante domina o Evangelho desde o primeiro versículo até o último. Ao contrário de Lucas, este autor não está preocupado em expor um relato organizado dos eventos atuais. Em vez disso, ele é muito seletivo em sua escolha dos eventos, sua escolha é ditada por um propósito didático; pois João está interessado não somente nos eventos, mas também em seu significado. 

2 - Testemunho. Uma das características mais distintas do quarto Evangelho é a ênfase sobre o testemunho. A palavra “testemunho” ocorre trinta e quatro vezes em forma de verbo e treze vezes como substantivo, um total de quarenta e sete vezes, em comparação com dezesseis vezes em todos os outros três evangelhos. O autor classifica-se principalmente como uma testemunha (1.14 e 16, 19.35, 21.24, 5.30 a 47). Seu método não é apenas o de por em ordem as evidências para convencer seus leitores, mas de fazer uma declaração pessoal daquilo que ele experimentou. O ponto é que a fé está baseada na evidência, quer de primeira mão quer de segunda, e embora a fé baseada na evidência seja boa, a fé que não é dependente de evidência sensorial é melhor (20.29).  

3 - Fé. O testemunho se destina a levar à fé, fé na reivindicação de Jesus ser o Filho de Deus e a única fonte de vida espiritual. O substantivo fé não é mencionado, porém a ênfase está sobre o verbo. Crença, ou fé, não é a confiança no resultado final, como em Hebreus, nem confiança para salvação pessoal, como em Paulo, antes, porém, um compromisso com a pessoa de Jesus Cristo (6.29, 10.32, 17.3). Vai além da aceitação do testemunho a respeito da validade da proposição; é uma decisão existencial entre a luz e as trevas, Deus e o mundo, a verdade e o erro. O obstáculo à fé não é a falta de evidência, mas os fatores subjetivos do orgulho, auto estima, um desejo de honras mundanas e teimosia (5.44, 8.41, 9.22, 12.39). 

4 - Glória. Diferente da Primeira Epístola de Pedro e das cartas de Paulo, “glória” não é aquilo que segue a humilhação quanto ao tempo; está ligada à humilhação e a transforma. Glória é basicamente uma revelação da presença de Deus. Esta glória reside em Jesus, e seu brilho está em contraste com a do Antigo Testamento (1.14 a 18). Em vez da glória shekinah habitando no Templo, ela habita em Jesus que é o verdadeiro Templo (2.19). A característica marcante neste Evangelho é que a glória emerge da ignomínia da morte (11.4, 12.33, 21.19). O sofrimento, a morte, a ressurreição e a ascensão de Jesus são vistos como um só evento (7.39, 12.28 a 33). João estava convencido de que a glória é essencialmente semelhante àquela testemunhada por Isaías (João 12.41). 

5 - Regeneração. Uma metáfora que João desenvolve, com uma ênfase não encontrada nos outros evangelhos, é a do “novo nascimento”. Esta corrente subjacente vem à tona em 1.12 e 13, 3.1 a 10, 8.39 a 45. Enquanto Paulo fala da nova vida em Cristo sob o título de justificação e empregue termos 
legais, João usa o conceito biológico de nascimento. Assim, a entrada na vida cristã é vista como sendo “nascido de Deus” em adição ao ser nascido de maneira natural (1.12). Na entrevista com Nicodemos Jesus declara enfaticamente que a condição para participar no reino de Deus é ser “nascido da água e do Espírito” (3.5). Aqui é feito o contraste entre a vida material e a espiritual, um tem a que é característico deste Evangelho. Da mesma forma que a vida material vem de pais humanos, assim a vida espiritual vem de Deus por meio do Filho e do Espírito Santo. Esta questão da genealogia espiritual é explicada, em alguma medida, no capitulo 8, onde Jesus acusa os judeus de terem como seu pai o diabo, e afirma que um verdadeiro judeu não é aquele que pode traçar sua descendência até Abraão, mas antes aquele que está na linhagem espiritual de Abraão (8.39 a 58). Esta linhagem pode ser identificada pela obediência à revelação divina. Neste caso, a revelação é por meio do seu Filho. A ideia não é nova, porém a maneira pela qual João a expressa é única. A genealogia do nascimento pode ser encontrada em outro lugar no Novo Testamento, em 1 Pedro 1.3 e 23, 2.2. O conceito tem exercido uma poderosa influência sobre a consequente teologia cristã. 

6 - O mundo. Este Evangelho contém fortes ênfases sobre um dualismo moral, entre a luz e as trevas, o bem e o mal, Deus e o diabo, o crente e o mundo. Este tema percorre todo o Evangelho, mas é especialmente proeminente no prólogo (1.5,10 a 12). Ocorre novam ente num dos versículos chaves do Evangelho: “O julgamento é este: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz; porque as suas obras eram más” (3.19). Ele aparece de novo na conversa de Jesus com seus irmãos, onde a hostilidade básica entre o Redentor e o mundo é declarada: “Não pode o mundo odiar-vos, mas a mim me odeia; porque eu dou testemunho a seu respeito de que suas obras são más” (7.7). Esta hostilidade entre a luz e as trevas é novamente expressa após a cura do homem cego (9.38 a 41). O tema é especialmente eminente no longo discurso aos discípulos antes da prisão de Jesus. O ódio do mundo é um fato básico da vida que eles devem encarar (15.18 a 16.33). Na confrontação resultante, eles são assegurados da ajuda do Espírito Santo como seu Advogado (16.7 a 11, Lucas 12.12).  

7 - Amor. Embora o tema do amor seja proeminente em todos os escritos cristãos, é especial mente evidente nos escritos de João. A relação de Deus com o mundo hostil é basicamente de amor (3.16). Também, a qualidade que distingue os discípulos de Jesus de todos os outros é o amor (13.34 e 35). O ápice da oração intercessora de Jesus é o pedido pelo amor que une o Pai, o Filho e os crentes (17.26). No diálogo de Jesus com Pedro, a qualidade elogiada no relacionamento é o amor (21.15 a 19). Este tema é enfatizado ainda mais no volume que acompanha o Evangelho, a Primeira Epístola de João. 

8 - Verdade. O apelo deste Evangelho ao mundo dominado pela cultura grega talvez se reflita na ênfase sobre a verdade. A revelação de Deus equivale à verdade. O prólogo indica que enquanto a lei foi mediada por Moisés, Jesus Cristo mediou uma bênção dupla, o benefício hebraico da graça e o benefício grego da verdade. Tanto a bênção espiritual hebraica quanto a helenista convergem em Jesus, o Filho de Deus. Mais tarde, Jesus assegura a seus discípulos que a obediência à sua palavra lhes garantiria a verdade que liberta (8.31 e 32). Jesus é a personificação da verdade (14.6). A verdade é projetada para dentro do mundo cético e perplexo representado pela pergunta não respondida de Pilatos, “O que é verdade?” (18.38). O próprio mundo está dividido entre aqueles que são da verdade e aqueles que estão no pecado e no erro (18.37). Finalmente, o próprio Evangelho reivindica ser a expressão da verdade. O registro escrito é aquele que está conforme os fatos: esta é a afirmação solene que fecha o volume (21.24). Estas são algumas das principais ideias que formam a estrutura deste Evangelho. João não se contenta apenas em registrar os eventos históricos; ele é seletivo nos eventos que escolhe para ilustrar alguns destes temas. Os temas são como os de grandes sinfonias, muitos deles introduzidos no prólogo, ou no prelúdio, e continuados por toda a estrutura, um chegando à proeminência agora, e um outro depois. O pensamento de João é frequentemente descrito como cíclico. E algo parecido com uma escadaria circular ou espiral, na qual um tema aparece e então recua, para reaparecer mais tarde num nível mais alto. João não trata de um tópico num único lugar e depois parte para um outro, mas os mantém em suspensão por meio de sua narrativa. O autor, por exemplo, toma cuidado em apontar os obstáculos à fé, tal como uma atitude de apreciação imprópria pela estima do próximo (5.44), ou o medo de pressão da comunidade para conformar-se. Exemplo: a que inibiu os pais do homem que nasceu cego (9.22).

Composição do Evangelho

Nesta seção, duas questões devem ser claramente diferenciadas, embora estejam intimamente relacionadas: a questão das fontes e a questão da composição do Evangelho. Os versículos e capítulos como os temos agora no presente texto segue a sequência original? Ou o original foi alterado? Embora numerosos analistas, mais recentemente Barrett em sua enorme obra, tenham optado pela primeira possibilidade, não poucos expositores propuseram-se a reconstruir a verdadeira sequência dos versículos e capítulos. A título de exemplo, podemos oferecer a ordem proposta. Macgregor, que leva a uma visão diferente da composição do quarto Evangelho que faz, por exemplo, por Bultmann. Segundo Macgregor, Morton, a ordem do Evangelho originalmente era: 1.1 a 3 e 13, 3. 31 a 36, 4.43 a 54, 6.1 a 21, 5.1 a 47, 7.15 a 24, 8.12 a 20, 7.1 a 14, 7.25 a 36, 8.21 a 59, 7.45 a 52, 7.37 a 42, 11.53 a 12.32, 3.14, 12.34, 3.16 a 21, 12.35 a 13.35, 16.25 a 33, 18.1 a 14, 18.19 a 24, 18.28 a 20.31.
Um primeiro redator acrescentou: 3.22 a 30, 18.15 a 18 e 18.25 a 27.
Um segundo redator adicionou uma segunda fonte a este documento, da qual 4.1 a 42, 6.22 a 71, 10.1 a 11.52, 14.1 a 16, 17.1 a 26 deriva.
Alguns acréscimos desse segundo redator incluem: 1.6 a 8, 1.15, 7.53 a 8.11, 13.36 a 38, e 21.1 a 25.
Como é bem sabido, Bultmann seguiu um caminho diferente. O fato de Bultmann não discutir a questão da autoria e suas fontes e colocar o cristianismo primitivo em detalhes, mas começar seu comentário com uma exposição do texto, o diferencia de outros comentaristas. É preciso reunir informações sobre muitas questões introdutórias de discussões ocasionais no corpo do comentário. Assim, a partir de observações preliminares sobre João 2.1 a 12 e 13 aprendemos que o evangelista usou uma fonte que continha uma coleção de milagres. “É a fonte dos sinais, que em seu estilo é claramente distinguível da linguagem do evangelista ou da fonte do discurso, que é a base do prólogo e dos discursos seguintes; é igualmente claro e distinguível das histórias de milagres da tradição sinótica”. João 1.35 a 50 forma a introdução à fonte “fonte dos sinais”, João 20.30.
Desde a introdução do Prólogo, aprendemos que o evangelista tomou um hino da comunidade batista, a qual ele pertencia, e o adaptou a Jesus. As observações preliminares de 2.13 a 22 nos dizem que o evangelista derivou sua história da purificação do templo, não dos sinóticos nem da tradição oral, “mas de uma fonte literária quase certamente relacionada aos relatos sinóticos”. A coisa peculiar sobre essa visão da questão é que o evangelista se restringe essencialmente a amplificações que ele insere no texto usado por ele. Mas o foco real do quarto Evangelho repousa nos discursos de revelação, que o evangelista tomou emprestado da gnose não cristã. Deve-se notar também que uma redação ocorreu depois do evangelista, já que de outra forma a estrutura do Evangelho, como Bultmann a vê, torna-se incompreensível.

Eventos Omitidos

Um dos problemas do quarto Evangelho é a grande quantia de eventos importantes, mencionados nos outros evangelhos, porém ignorados em João. Entre eles as histórias da natividade, que são familiares a partir dos capítulos em Mateus e Lucas, e as parábolas relatadas pelos sinóticos. Não há qualquer menção, neste Evangelho, do exorcismo de demônios, embora Jesus seja acusado três vezes de ser possuído por demônios. Neste Evangelho nenhuma atenção é dada aos publicanos, leprosos ou crianças, como é característico dos outros três. Nenhuma menção é feita à nomeação dos doze apóstolos. Não há nenhum “Sermão do Monte”, tal como relatam Mateus e Lucas. A chamada dos pecadores ao arrependimento está particularmente ausente neste relato. As características apocalípticas dos sinóticos, incluindo os temas escatológicos e o aviso contra o julgamento do inferno, não são especificadas neste Evangelho. Muitas máximas e provérbios característicos de Jesus, como “vós sois o sal da terra” não estão incluídos neste registro. Nenhuma menção é feita à instituição da Eucaristia, embora esteja implícita no capitulo 6. João também omite a oração de Jesus no Getsêmani. Não há uma descrição do julgamento perante Caifás, embora ele seja insinuado neste relato. A ascensão de Jesus no Monte de Oliveiras é omitida, embora o tema da ascensão seja muito característico do Evangelho. O aspecto principal do problema de João é explicar os pontos nos quais este Evangelho difere tão radicalmente dos primeiros três e porquê.

Propósito do Evangelho

João é o único dos evangelhos que contém uma declaração precisa do propósito do autor: “Mas estes foram escritos para que você possa crer que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e que, crendo, tenhais vida em seu nome” (20.31). O objetivo de João era apologético (“para que você acreditasse que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus”) e evangelístico (“e que acreditando que você pode ter vida em Seu nome”). De acordo com seu propósito evangelístico, João usou o verbo “crer” quase cem vezes, mais que o dobro dos sinóticos, enfatizando que aqueles que creem em Jesus receberão a vida eterna (3.15, 16 e 36), (4.14), (5.24, 39 e 40), (6.27, 33, 35, 40, 47, 48, 54, 63 e 68), (10. 10, 28), (12.50), (14. 6), (17.2 e 3), (20.31).
O propósito apologético de João, inseparável de seu propósito evangelístico, era convencer seus leitores da verdadeira identidade de Jesus. Ele O apresenta como Deus encarnado (1.1 e 14, 8.23 e 58, 10.30, 20.28), o Messias (1.41, 4.25 e 26) e o Salvador do mundo (4.42). Para esse fim, João repetidamente enfatizou os sinais miraculosos de Jesus (3.2, 6.2 e 14, 7.31, 9.16, 11.47, 12.18, 20.30), incluindo oito específicos:
Transformando água em vinho (2.1 a 11). Curando o filho de um oficial real (4.46 a 54). Curando um coxo na piscina de Betesda (5.1 a 18). Alimentando os cinco mil (6.1 a 15). Caminhando no Mar da Galileia (6.16 a 21). Curando um cego de nascença (9.1 a 41). Ressuscitando Lázaro dos mortos (11.1 a 45). Proporcionando uma captura milagrosa de peixe (21.6 a 11).
Além desses sinais, havia o sinal mais convincente de todos, a ressurreição de Jesus (20.1 a 29). Em resumo, João apresenta Jesus como a Palavra eterna, o Messias e o Filho de Deus que, por meio de Sua morte e ressurreição, traz o dom da salvação para a humanidade. As pessoas respondem aceitando ou rejeitando a salvação que vem somente através da crença nEle.

João e Jesus

João é o mais explicitamente teológico dos quatro evangelhos e contribui com importantes insights sobre todos os locais primários da doutrina cristã. A natureza e atributos de Deus, humanidade, caídos e redimidos, (2.24 e 25, 3.3 a 8 e 19 a 21, 5.40, 6. 35 e 53 a 57, 7.37 a 39, 8.12 e 31 a 47, 10.27 a 29, 11.25 e 26, 14.17, 15.1 a 8 e 18 a 25, 16.3 e 8, 17.2 a 3 e 6 a 9, 20.22 e 31.) a pessoa de Cristo, a obra de Cristo (1.29 e 51, 2.19, 3.14 e 34, 4.22 e 42, 5.25 e 28, 12.24 e 32, 13.8, 14.3 e 18, 16.33, 17.2, 18.14 e 36, 20.1 a 21.14) a pessoa e obra do Espírito Santo (1. 13 e 32, 3.5, 4.24, 6.63, 7.39, 14.16, 15.26, 16.7 a 15, 19.34, 20.22) a igreja e sua missão (4.35, 13.31 a 16.33, 17.20 a 23, 20.19 a 23, 21.1 a 14 e 15 a 25) e a vida do novo mundo (3.15 e 36, 4.14, 5.24, 8.24 e 51, 10.28, 11.25, 12.25, 14.2) O leitor é encaminhado para as seções relevantes deste livro e aos principais comentários para exposição teológica detalhada.

O supremo foco doutrinário deste evangelho é, no entanto, a pessoa de Cristo (embora nunca em separação de seu trabalho). Quanto à divindade de Cristo, João oferece possivelmente o mais claro testemunho no Novo Testamento. A divindade, no entanto, nunca é separável da verdadeira humanidade de Cristo. Ele é simultaneamente divino e humano, não um em um ponto e o outro em outro ponto, mas ambos juntos em cada ponto.
Quando a igreja tentou esclarecer sua compreensão da pessoa de Jesus Cristo em Niceia, em 325, e novamente em Calcedônia, em 451, esse evangelho foi de particular ajuda para sustentar a confissão de Alguém que é ao mesmo tempo verdadeiro Deus e verdadeiro homem. João não faz nenhuma tentativa de diluir a plena realidade tanto da divindade quanto da humanidade de Cristo e, assim, ajudou a igreja a confessar Jesus Cristo como uma pessoa em duas naturezas. É importante reconhecer que os autores dos primeiros Credos nunca imaginaram que estivessem fornecendo uma explicação exaustiva de quem era Cristo, isso é um mistério para sempre além do nosso alcance. O que eles se viram fazendo foi simplesmente Erigir, à luz do testemunho da Escritura, certos limites nos quais a pessoa do Deus homem deveria ser autenticamente encontrada. Fora desses limites estava a heresia, dentro desses limites, reside a verdade.

Da mesma forma, hoje, somos convidados a nos aproximar reverentemente dentro das paredes da Palavra de Deus, a contemplar admirável e adoradoramente a glória do eterno Filho feito carne, e depois sair para viver para ele em meio às realidades de nosso mundo cotidiano. O evangelho de João nos ajuda a fazer isso. Mas quem é o Filho em si mesmo permanece um mistério além de nossa compreensão.
É este mistério que está por trás da revelação neste evangelho, como em todos os evangelhos. É também a explicação do efeito de um estudo do evangelho de João, pois, ao final, sentimos que conhecemos melhor a Cristo, no mesmo momento em que nos encontramos tendo que reconhecer que ele está ainda mais além do nosso alcance. Isso não deveria nos surpreender. Se a antiga máxima teológica é válida, Deus compreensivo não é Deus (um Deus que é plenamente compreendido não é Deus), então é igualmente verdade afirmar, Cristo, o que é não Deus (um Cristo que é compreendido plenamente não é divino).

O mistério de Jesus Cristo é o tema deste evangelho, sempre além de nós, mas sempre nos convocando para explorá-lo mais plenamente. A exploração e o serviço da Divindade serão nossa tarefa infinita, embora feliz, no mundo vindouro, mas podemos começar agora, e não pode haver lugar melhor para lançar-se nas profundezas do que estudar e expor esse grande evangelho de João.

17/01/2019

Evangelho de Lucas



O Evangelho de Lucas é o terceiro evangelho na ordem do Novo Testamento. O evangelho de Lucas é um relato que narra primariamente os eventos do ministério terrestre de Jesus. Seu objetivo era apresentar um registro exato em ordem lógica, comprovando a certeza do que Teófilo tinha sido ensinado oralmente. (Lucas 1.3 e 4) Conforme sugerido por constar no cânon bíblico, este registro devia também beneficiar muitos outros, tanto judeus como não judeus. Embora às vezes pareça predominar o arranjo tópico, este Evangelho, no seu esboço geral, segue uma ordem cronológica.

Título

“Lucas” é um nome latino popular usado por romanos proeminentes de Cícero ao imperador Marco Aurélio. Mencionado oito vezes no Novo Testamento (Atos e várias Cartas, nunca nos Evangelhos), costuma nomear alguém que acompanhou os apóstolos Paulo e Pedro. No relato em Atos, um Marcos, de sobrenome João, era filho de uma mulher (Maria) em cuja casa em Jerusalém os cristãos do primeiro período se reuniam para orar, e para a qual Pedro foi, aparentemente como é óbvio, em sua liberação milagrosa da prisão (Atos 12.12). Marcos acompanhou Saulo (Paulo) e Barnabé em uma jornada de Antioquia a Jerusalém (Atos 12.25), mas seu prematuro abandono de uma jornada missionária posterior na qual ele acompanhou Barnabé e Paulo (Atos 13.5 e 13) precipitou uma disputa quando Barnabé propôs levar Marcos a outra jornada desse tipo. A oposição de Paulo a esse curso de ação levou a viagens missionárias independentes realizadas por Barnabé com Marcos e Paulo com Silas (Atos 15.36 a 40). Essa é a última menção de João Marcos em Atos. Uma marca é mencionada por Paulo, no entanto, como um dos cinco cristãos que enviaram saudações a Filemom e alguns outros destinatários dessa carta (Filemom 24). Se esta é a mesma marca, indica uma reconciliação posterior com Paulo. Os mesmos cinco cristãos também estão entre o grupo que envia saudações aos cristãos em Colossos (Colossenses 4.10), onde Marcos é identificado como o “primo de Barnabé”, uma aparente referência à marca mencionada em Atos. Uma marca também é identificada pelo autor de 2 Timóteo (4.11) como “muito útil em servir-me” e como “meu filho” em uma carta cujo autor é identificado como o apóstolo Pedro (1 Pedro 5.13).

Estrutura do evangelho de Lucas

Tradições posteriores, assumindo que todas as referências Novo Testamento eram para a mesma pessoa, identificaram este Marcos como o autor do segundo Evangelho, que, servindo como intérprete de Pedro em Roma, registrou, a pedido dos cristãos, o que ele poderia lembrar do apóstolo. Ainda tradições posteriores afirmam que o Evangelho, originalmente relatado como escrito após a morte de Pedro, foi escrito durante a vida do apóstolo, e eventualmente foi alegado que ele foi escrito a pedido de Pedro. Outras tradições marcam o primeiro a pregar no Egito e o fundador do cristianismo alexandrino. Lendas do século VI identificam Marcos como um dos setenta discípulos de Jesus (Lucas 10.1), aquele que carregou o pote de água (Marcos 14.13) e aquele em cuja casa ocorreram os eventos do Pentecostes (Atos 2.1 a 4). Lendas posteriores retratam a morte de seu mártir e seu enterro em Veneza. Que Marcos 14.51 e 52 se refere ao autor do Evangelho é uma conjectura moderna.

Autor

A tradição sempre foi unânime em atribuir o terceiro Evangelho a Lucas, o “médico amado” (Colossenses 4.14). Embora o autor não seja identificado ou identificado dentro do livro, a tradição sobreviveu ao desafio crítico.
O autor escreve com notável precisão e habilidade literária; ele fica em segundo plano e apresenta Jesus como o Redentor. O Evangelho é dirigido ao “excelente Teófilo”, possivelmente um oficial romano que se tornou cristão. A comparação entre Lucas 1.1 a 4 e Atos 1.1 e 2 apoiam a opinião amplamente aceita de que o mesmo autor escreveu os dois livros, os dirigiu ao mesmo indivíduo e os destinou como volumes complementares. De acordo com 16.10 a 40, Lucas se uniu a Paulo em Trôade, em sua segunda viagem missionária, e o acompanhou a Filipos; ele então ficou em Filipos até depois da terceira viagem e depois foi com Paulo para Jerusalém (e Roma) (20.5 a 21.18, 27.1 a 28). Lucas era o companheiro de Paulo e é mencionado como estando com ele quando Colossenses, Filemom e 2 Timóteo foram escritos (Colossenses 4.14, Filemom 24, 2 Timóteo 4.11). Embora a perspectiva de Lucas sobre assuntos como o Conselho Apostólico difere da de Paulo (por exemplo, Atos 15, Gálatas 2), suas experiências únicas forneceram informações valiosas para escrever sua obra de dois volumes, que ele aparentemente escreveu com o Igreja helenística em mente. Ele foi o único autor gentio de um livro bíblico.

Fontes

A partir da análise altamente complexa das relações entre os Evangelhos, o presente texto de Lucas parece ter derivado essencialmente de duas fontes: O evangelho de Marcos (considerado pela maioria dos estudiosos como o Evangelho primário) e, um pouco menos, o documento hipotético Q (A fonte Q, também conhecida como documento Q ou apenas Q, sendo que a letra "Q" é uma abreviatura da palavra quelle que, em língua alemã, significa "fonte" é uma hipotética fonte usada na redação do Evangelho de Mateus e no Evangelho de Lucas. A fonte "Q" é definida como o material "comum" encontrado em Mateus e Lucas, mas não no Evangelho de Marcos. Este texto antigo supostamente continha a logia ou várias palavras e sermões de Jesus). A existência desse documento é postulada pelos estudiosos como uma fonte plausível para cerca de duzentos versículos que Mateus e Lucas têm em comum; esses versos não são encontrados em Marcos.
Lucas omite material encontrado tanto em Marcos como em Mateus, e acrescenta material próprio que não é encontrado em nenhum deles. Ele também varia consideravelmente o arranjo do material. Quaisquer que sejam suas fontes exatas, Lucas teve acesso a informações pessoais sobre os pais de João Batista, o nascimento de Jesus e outros fatos não encontrados nos outros Evangelhos.
O prefácio do Evangelho menciona que muitos tinham “se comprometido a compilar uma narrativa” dos eventos do evangelho, e que tradições haviam sido proferidas por “testemunhas oculares e ministros da palavra”. Se Lucas considerou ou não tais escritos e tradições como suas fontes , ele parece ter tido considerável confiança em sua própria pesquisa cuidadosa e capacidade de organizar o material de modo a apresentar “a verdade” (Lucas 1.1 a 4).

Exclusividades

Como no caso dos outros três Evangelhos, o relato de Lucas fornece evidência abundante de que Jesus deveras é o Cristo, o Filho de Deus. Revela Jesus como homem de oração, que se estribava plenamente no seu Pai celestial. (Lucas 3.21, 6.12 a 16, 11.1, 23.46) Contém numerosos pormenores suplementares, os quais, conjugados com o que se encontra nos outros três Evangelhos, oferecem um quadro mais completo dos acontecimentos associados com Cristo Jesus. Quase os inteiros capítulos 1 e 2 não têm paralelo nos outros Evangelhos. Pelo menos seis milagres específicos e mais de duas vezes este número, em ilustrações, são exclusivos deste livro. Os milagres são:

Jesus fez com que seus discípulos tivessem uma pesca milagrosa (5.1 a 6).
Ressuscitou o filho de uma viúva de Naim (7.11 a 15).
Também curou uma mulher encurvada (13.11 a 13).
Um homem que padecia de hidropisia (14.1 a 4).
Dez leprosos (17.12 a 14).
E a orelha do escravo do sumo sacerdote (22.50 e 51).
Entre as ilustrações há as seguintes:
Os dois devedores (7.41 a 47).
O prestativo samaritano (10.30 a 35).
A figueira estéril (13.6 a 9).
A refeição noturna (14.16 a 24).
A moeda de dracma perdida (15.8 e 9).
O filho pródigo (15.11 a 32).
O mordomo injusto (16.1 a 8).
O rico e Lázaro (16.19 a 31).
A viúva e o juiz injusto (18.1 a 8).

A matéria cronológica que aparece neste Evangelho ajuda a determinar quando João, o Batizador, e Jesus nasceram e quando começaram seus respectivos ministérios (Lucas 1.24 e 27, 2.1 a 7).

Data e lugar

A atribuição de uma data exata para a escrita de Lucas é difícil, mas desde que o evangelho de Marcos foi a fonte primária usada por Lucas, o trabalho deve ter sido escrito depois de Marcos. É para ser assumido que o Evangelho foi escrito antes de Atos (Atos 1.1). Dentro desses limites, os eruditos atribuíram datas entre os 63 e 80. Várias previsões precisas parecem descrever o que realmente aconteceu na destruição de Jerusalém (70) e, assim, ser mais facilmente explicadas se foram escritas depois dessa data. Da mesma forma, estudiosos críticos em sua maioria datam o livro dos anos 80 a 85, antes da coleta e distribuição das cartas de Paulo (90). Isso concordaria com a indicação de Lucas de que ele não era ele mesmo uma testemunha ocular dos eventos registrados no Evangelho (Lucas 1.2). Estudiosos conservadores, no entanto, afirmam que as predições de Jesus sobre a destruição de Jerusalém (19.41 a 44, 21.20 a 24) podem ser entendidas como profecias sobrenaturais antes do evento real, e assim argumentam por uma data em torno de 70
De acordo com o prólogo anti-marcionita, o Evangelho foi escrito na Acaia, mas a visão tem pouco apoio convincente. Lugares de origem mais prováveis ​​são Roma ou Antioquia.

Escritor e tempo da escrita

Embora não seja mencionado nele, em geral tem-se atribuído ao médico Lucas (Colossenses 4.14) a escrita deste relato. Existe evidência escrita neste sentido já desde o segundo século, sendo o Evangelho atribuído a Lucas no Fragmento Muratoriano (O Cânone Muratori, também conhecido por fragmento muratoriano ou fragmento de Muratori, é uma cópia da lista mais antiga que se conhece dos livros do Novo Testamento. Foi descoberta na Biblioteca Ambrosiana de Milão por Ludovico Antonio Muratori (1672 – 1750) e publicada em 1740). Certos aspectos deste Evangelho também podem ser encarados como indicando um médico bem instruído como seu escritor. O vocabulário encontrado nele é mais extenso do que o dos três outros Evangelhos em conjunto. Às vezes, as descrições dos padecimentos curados por Jesus são mais específicos do que nos outros relatos. (compare: Mateus 8.14, Marcos 1.30, Lucas 4.38, Mateus 8.2, Marcos 1.40, Lucas 5.12).
Evidentemente, foi antes de escrever o livro de Atos que Lucas completou o seu Evangelho. (Atos 1.1 e 2) Visto que havia acompanhado Paulo a Jerusalém no fim da terceira viagem missionária do apóstolo (Atos 21.15 a 17), ele teria boas condições para rebuscar com exatidão as coisas referentes a Jesus Cristo, na própria terra em que o Filho de Deus havia realizado sua atividade. Depois da prisão de Paulo em Jerusalém e durante o posterior encarceramento de Paulo em Cesaréia, Lucas deve ter tido muitas oportunidades para entrevistar testemunhas oculares e consultar registros escritos. De modo que é razoável concluir que este Evangelho talvez fosse escrito em Cesaréia, algum tempo durante a detenção de Paulo ali por cerca de dois anos (56 a 58). Atos 21.30 a 33, 23.26 a 35, 24.27.

Propósito

O propósito do evangelho é dado no próprio prefácio de Lucas (1.1 a 4). Lucas pretendia escrever “um relato ordenado”, uma narração literária baseada em pesquisa cuidadosa, em vez de uma carta casual. Em Atos 1.1, Lucas resume o que foi realizado neste primeiro volume como o começo do que “Jesus começou a fazer e ensinar”, enquanto o segundo volume pretendia continuar o registro da obra de Jesus através de seus apóstolos após a ressurreição. A preocupação de Lucas é que Teófilo (e muitos mais no mundo gentio que se tornaram cristãos) pode conhecer a “verdade” ou a confiabilidade dos fatos do evangelho. “As coisas de que você foi informado” são os fatos básicos do evangelho, e essa frase indica que os leitores são membros da Igreja que foram catequizados. O propósito é então escrever um relato básico, bem organizado, autêntico e confirmador dos feitos e palavras de Jesus.

Característica e conteúdo

O evangelho de Lucas reflete seu interesse missionário. É uma obra de alegria e salvação, e reflete tanto um profundo respeito pelo aspecto do cumprimento da profecia em Jesus e uma profunda gratidão pelo fato de que Jesus veio “para buscar e salvar os perdidos” (19.10). Lucas expressa sincero interesse pelo sentimento e emoção humanos em relação ao cumprimento das Escrituras no evento de Cristo. Ele entende totalmente a emoção das experiências de Zacarias e Isabel no nascimento de João Batista e as de Maria no nascimento de Jesus. A capacidade de empatia de Lucas também é retratada graficamente na história do coletor de impostos que “nem sequer olhava para o céu, mas batia no peito, dizendo: Deus, tenha misericórdia de mim um pecador” (18.13).
O interesse genuíno de Lucas pelas pessoas é evidente em seus relatos do Bom Samaritano, do Filho Pródigo e da pecadora perdoada que lavou os pés do Salvador com suas lágrimas (7.36 a 50). Lucas é o Evangelho mais claramente universal; o perdão, a redenção e a alegria da salvação são para toda a humanidade, pagãos e samaritanos, publicanos e pecadores.
Este Evangelho parece também ser o mais abrangente. A genealogia de Jesus (3.23 a 38) é rastreada através de Adão até Deus, e Lucas é o único Evangelho a descrever a Ascensão (24.13 a 51). A assim chamada grande inserção (9.51 a 19.27) contém principalmente material não encontrado nos outros Evangelhos; inclui os relatos bem conhecidos do envio dos setenta discípulos, Maria e Marta, o tolo rico, a ovelha perdida, Zaqueu.
Lucas é o evangelho do amor. Retrata a grande compaixão de Jesus e mostra sua preocupação pela única moeda perdida (15.8 a 10). Mostra como o pai ideal que dá bons presentes a seus filhos é um símbolo do Pai celestial que “dará o Espírito Santo àqueles que o pedirem” (11.13). Lucas encoraja seus seguidores a mostrar o mesmo amor, bondade e perdão aos outros: “Ame seus inimigos,… abençoe aqueles que o amaldiçoam… Dê a todos que implorarem de você” (6.27 a 30).

Autenticidade

Um indício da autenticidade do Evangelho de Lucas e da harmonia entre este e os outros livros bíblicos são as numerosas referências às Escrituras Hebraicas contidas nele e as citações feitas delas. (Veja Lucas 2.22 a 24, Êxodo 13.2, Lucas 12.8, Lucas 3.3 a 6, Isaias 40.3 a 5, Lucas 7.27, Malaquias 3.1, Lucas 4.4, 8 e 12, Deuteronômio 8.3, Lucas 4.18 e 19, Isaias 61.1 e 2.) O que confirma ainda mais a autenticidade deste livro é o cumprimento da profecia de Jesus a respeito da destruição de Jerusalém e do templo dela (Lucas 19.41 a 44, 21.5 e 6).

Teologia

O plano de Deus é um dos principais temas de Lucas. Numerosos textos exclusivos de Lucas discutem esse conceito (1.14 a 17, 31 a 35, 46 a 55, 68 a 79, 2.9 a 14, 30 a 32, 34 a 35, 4.16 a 30, 13.31 a 35, 24.44 a 49). O agrupamento de tais textos na seção infantil de Lucas mostra como o tema é uma importante nota introdutória no Evangelho, fato que destaca sua importância.
A estrutura temporal básica por trás desse tema é o padrão de promessa e realização. A era da promessa durou desde a época do Antigo Testamento até João Batista (7.28, 16.16 e 17). A era do cumprimento começa com o ministério de Jesus e continua até o retorno (17.21 a 37, 21.5 a 38, 24.43 a 49, Atos 2.14 a 39, 3.14 a 26). Embora Jesus traga a era do cumprimento, os gentios são mais abertos à mensagem do que os judeus, embora haja aqueles na nação que respondem, um remanescente fiel (Lucas 2.34, 3.4 a 6, 4.25 a 27, 7.1 a 10, 10.25 a 37, 11.49 a 51, 13.7 a 9, 14.16 a 24, 17.12 a 19, 19.41 a 44). A ênfase de Lucas no cumprimento explica por que tantos textos destacam o que está acontecendo “hoje” ao anunciar a chegada da salvação de Deus (2.11, 4.21, 5.26, 13.32 e 33, 19.5, 9 e 42, 23.42 e 43). João Batista é a ponte entre as eras. Ele anuncia que ele não é o Cristo, mas aquele que traz o Espírito será o Cristo, visto que o Espírito é o sinal do cumprimento (3.15 a 18).

Então o plano tem uma missão. Jesus pregará boas novas aos pobres (4.16 a 30). Ele veio para curar “os doentes” chamando os pecadores ao arrependimento (5.30 a 32). Ele comissionou representantes para levar a mensagem ao exterior (9.1 a 6, 10.1 a 24, 24.43 a 49). Ele veio para buscar e salvar os perdidos (19.10). Mesmo sua traição e a oferta de si mesmo na cruz não são nenhuma surpresa (9.21 a 27, 18.31 a 34, Atos 2.22 a 24). “É necessário” que certas coisas aconteçam. Jesus deve estar na casa do Pai (Lucas 2.41 a 52). Ele deve pregar o reino (4.43). Ele deve ser contado entre os transgressores (23.37). Não há surpresas nos eventos que cercam Jesus; eles são parte do plano de Deus e da missão de Jesus.
No centro do plano está o Cristo. Lucas constrói sua cristologia da terra. Começando com um nascimento miraculoso, o retrato de Jesus de Lucas mostra que ele é especial desde o começo. Jesus é visto como um professor (6.20 a 48), um profeta (4.21 a 30), o Cristo (9.18 a 20), o Filho do Homem (5.17 a 26, 9.21 a 27), e o Senhor (20.41 a 44, 22.69, Atos 2.30 a 36).

Observe a progressão da ênfase. O Evangelho começa seu retrato de Jesus em categorias que são familiares aos leitores de Lucas e, em seguida, se move em aspectos mais profundos e mais elevados, como a história se desenrola, da mesma forma que uma pessoa experimenta Jesus. Isso permite que os leitores cresçam em sua compreensão de quem é Jesus. Lucas faz seu caso para Jesus um passo de cada vez.
Cristo vem para estabelecer o reino. O governo e a promessa de Deus são manifestados na terra em cumprimento da promessa anterior (Lucas 4.18 e 43, 7.22, 8.1, 9.6, 10.11). Alguns textos associam o reino como já presente na atividade de Jesus com sua autoridade representada no poder que ele exerce (10.9, 18 e 19, 11.14 a 23, 17.21). A atividade milagrosa de Jesus sublinha a totalidade dessa autoridade. Outros aspectos da promessa do reino ainda não chegaram e aguardam o cumprimento no futuro (17.22 a 39, 21.5 a 38, Atos 3.20 a 21). Como Atos 3 argumenta, o que ainda está por vir na promessa do reino cumprirá o restante do que o Antigo Testamento prometeu que aconteceria no Messias.

O principal indicador da chegada da promessa é o Espírito (Lucas 3.15 a 18, 24.49, Atos 1.8, 2.1 a 39). O evento chave que permite a distribuição do Espírito é a ascensão, ressurreição de Jesus. Este evento representa um cumprimento fundamental do Salmos 110.1 (Lucas 20.41 a 44, 22.69, Atos 2.30 a 36). Como esse texto indica, Jesus governa do lado do Pai em cumprimento da promessa messiânica do Antigo Testamento. Sua regra é indicada por sua autoridade para distribuir os benefícios prometidos da Nova Aliança.
Então, Jesus traz promessa e salvação. A salvação envolve compartilhar a esperança, experimentar a bênção do governo de Jesus do lado do Pai e compartilhar o perdão dos pecados e o dom da habitação do Espírito. Também aguarda a conclusão gloriosa do que Jesus começou ao vir à terra. O Espírito nos capacita para a missão de proclamar Jesus e também para viver uma vida ética e honrada por Deus. Embora Lucas não enfatize isso, a base para tal bênção é a cruz, que permite que a Nova Aliança seja ativada (22.20, Atos 20.28). Para descrever a bênção recebedora, Lucas usa três termos para a mesma ação básica: “arrependa-se” (Lucas 11.32), “volta” (1.17, 22.32) e “fé” (5.20, 7.47 a 50). Crer em Cristo é descansar em seu cuidado espiritual e começar uma jornada que deve durar até que a promessa de salvação seja plenamente realizada. Aqueles que compartilham essa fé formaram uma nova comunidade, não porque procurassem se separar de Israel e dos judeus, mas porque foram forçados a se tornar uma nova comunidade.

A natureza da nova vida comunitária é vista em várias ênfases, incluindo o chamado ao amor (6.20 a 48), a oração (11.1 a 13, 18.1 a 14), o chamado para ser persistente (8.13 a 15, 9.23, 18.8, 21.19) e a necessidade de evitar obstáculos ao discipulado, como o apego excessivo à riqueza (8.14, 12.13 a 21, 16.1 a 15 e 19 a 31, 18.18 a 25). Lucas escreve não apenas para tranquilizar Teófilo, mas também para encorajá-lo a refletir essas características pela capacitação do Espírito, a viver em fidelidade diante de Deus.

Cristologia

Por causa do papel central que Jesus desempenhou em todos os quatro Evangelhos, é evidente que cada Evangelho tem uma ênfase cristológica. O Evangelho de Lucas não é exceção, visto que Jesus Cristo está no centro do duplo trabalho de Lucas. Isto não é apenas evidente no Evangelho, onde Jesus é o tema principal do capitulo 1 ao 24, mas também nos primeiros sermões em Atos. Se omitirmos o sermão de Estevão no capitulo 7, descobrimos que o conteúdo cristológico domina os primeiros sermões. Claramente, os primeiros sermões de Atos são orientados cristologicamente. Ao longo do Evangelho, o leitor encontra a questão crucial e decisiva: “Quem é este?” Lucas até relatou que o nome dado aos primeiros crentes era “cristãos” (Atos 11.26).

A cristologia de Lucas e Atos é rica e variada. Numerosos títulos e atributos são dados a Jesus, e estes não devem ser isolados uns dos outros. Jesus é Profeta, Cristo, Messias, Filho de Deus, Filho, Senhor, Filho do Homem, Servo (Atos 3.13 e 26, 4:.0), Rei dos Judeus, Filho de Davi, Santo, Justo, Autor da Vida (Atos 3.15), Líder (Atos 3.15, 5.31), Salvador, e Juiz (Atos 10.42, 17.31). Lucas não fez nenhuma referência específica à preexistência em sua descrição cristológica de Jesus. Pode ser, no entanto, que a designação “Deus” seja aplicada a Jesus em Lucas 8.39, 9.43; Atos 20.28, embora isso seja incerto.

Como todos esses títulos se aplicam a Jesus, não é de surpreender que às vezes eles sejam usados ​​de forma intercambiável. Podemos notar Lucas 2.11 (Salvador, Cristo, Senhor, também as implicações de seu nascimento na cidade de Davi), 1.32 e 33 (Filho, Rei dos Judeus), 4.34 e 41 (Santo de Deus, Filho de Deus, Cristo), 22.67 a 70 (Cristo, Filho do Homem, Filho de Deus), 23.35 a 37 (Cristo, Rei Escolhido dos Judeus). Todos esses títulos, naturalmente, referem-se à mesma pessoa, Jesus. Como a mesma pessoa possui todos esses títulos, não é de surpreender que alguns títulos, cuja plena realização está no futuro, sejam atribuídos de forma proléptica a Jesus durante seu ministério. Assim, enquanto Jesus foi “feito Senhor e Cristo” no sentido mais completo após a ressurreição (Atos 2.36, Romanos 1.4, Filipenses 2.9 a 11), no seu nascimento ele já era Cristo e Senhor (Lucas 2.11), e ele foi crucificado como o Cristo (Atos 23.3, 24.26, 3.18). Já que para Lucas o primeiro Jesus e o Senhor ressuscitado são uma e a mesma pessoa, todos os títulos acima mencionados podem ser usados ​​de Jesus de Nazaré desde o começo, mesmo que seu significado completo esteja no futuro.

A cristologia de Lucas envolve muito mais do que apenas os títulos aplicados a Jesus em Lucas e Atos. Devemos também incluir a maneira única como ele agiu e falou. Jesus reivindicou e manifestou uma autoridade única (Lucas 20.1 a 8, 6.1 a 5) sobre a natureza (8.25, 9.10 a 16), sobre a doença (4.38 a 40, 7.22) e sobre Satanás (4.36 e 41, 10.17 a 20). Jesus também falou com uma autoridade única e fez o que só pode ser chamado de reivindicações finais (12.8 e 9, 7.23, 9.23 a 26). A cristologia geral de Lucas, como a dos outros escritores dos Evangelhos, era de alguém que não apenas era maior que todos os outros homens (ou seja, ele não era apenas quantitativamente diferente), mas também qualitativamente diferente, alegando prerrogativas divinas (5.20 a 26, 7.48 e 49, 24.52).

10/01/2019

Evangelho de Mateus



O Evangelho de Mateus é o primeiro dos evangelhos do Novo Testamento em ordem canônica. Ele foi composto durante as últimas décadas do século I, quando judeus e cristãos depararam-se com a tarefa de rearticular sua auto compreensão à luz da destruição do templo e da cidade santa, Jerusalém. Independentemente de onde o Evangelho de Mateus foi escrito (Antioquia da Síria ou um dos maiores assentamentos na Galileia, são os dois cenários mais frequentemente propostos), a história de Jesus que Mateus diz parece adequada para esclarecer a identidade, vocação e práticas de uma comunidade em transição e angústia. Mateus usa a tensão e a surpresa, tanto na forma como no conteúdo, para abordar essa situação, afirmando que Jesus Cristo, “Deus conosco”, é a figura definidora em torno da qual a auto compreensão, a imaginação e as relações sociais da comunidade devem ser formadas.

O anonimato dos evangelhos canônicos exige forte dependência de evidências externas como ponto de partida para estabelecer a autoria do evangelho. O testemunho externo do segundo século é praticamente unânime que Mateus, o coletor de impostos, escreveu o Evangelho atribuído a ele. Mesmo antes do testemunho patrístico explícito a respeito da autoria do Evangelho, há evidências convincentes de que nenhum Evangelho circulou sem um cabeçalho ou título apropriado (por exemplo, “de acordo”, “de acordo com Mateus”), identificando a pessoa que se acredita ser o autor. A suposição comum de que os Evangelhos circularam anonimamente até meados do segundo século, quando os títulos finalmente foram afixados a eles, foi seriamente desafiada por Martin Hengel. Embora certos detalhes da teoria de Hengel sobre as origens dos títulos do Evangelho tenham sido questionados, a falta de variação na tradição do segundo século, no que se refere à autoria de Mateus, poderia muito bem ter sua origem na época em que os evangelhos começaram a circular entre as comunidades cristãs.

A mais antiga fonte patrística que trata da autoria do evangelho vem de Papias, o bispo de Hierápolis, cujos comentários estão disponíveis apenas em citações preservadas por Eusébio, bispo de Cesaréia. A citação de Papias por Eusébio a respeito da autoria de Mateana foi sujeita a várias interpretações dependendo da tradução de termos chave. A citação diz: “Mateus coletou (“ composto”, “compilou”, “organizou”) os oráculos (“ditos”, “evangelho”) no idioma hebraico (“hebraico ou aramaico”, “Estilo semítico”) e cada um interpretou (“interpretou”, “traduziu”, “transmitiu”) o melhor que pôde”.
Parece que o testemunho patrístico posterior a Papias dependia de seu testemunho e assim perpetuou a tradição da autoria de Mateus junto com a noção de uma versão semítica original. Os testemunhos de Irineu, Orígenes, o próprio Eusébio, Epifânio, Cirilo de Jerusalém, Jerônimo, assim como Gregório de Nazianzo, Crisóstomo, Agostinho, e as autoridades sírias e coptas são unânimes em afirmar que Mateus foi o autor do primeiro Evangelho originalmente em uma língua semítica. Entretanto, como a tradição parece basear-se na visão de Papias, como citado por Eusébio, a evidência do testemunho patrístico, na opinião de alguns, tem muito pouco valor independente. Especialmente desde que a ideia de um Mateus semítico original, da qual nosso Mateus Grego foi traduzido, tem sido contestada por motivos textuais e linguísticos. Mateus simplesmente não lê como o grego traduzido. Essas e outras dificuldades com a visão de Papias resultaram em muitos descartando todos os testemunhos patrísticos sobre a autoria de Mateus.

Embora muita opinião crítica tenha assumido que a visão errônea de Papias de um Mateus semítico original desmentia seu testemunho de que Mateus era o autor, nos últimos tempos a evidência fornecida pelo testemunho de Papias foi reavaliada. Por um lado, alguns estudiosos argumentam que os termos não se referem à língua hebraica ou aramaica, mas sim a um estilo judaico ou forma literária. Nesse ponto de vista, Papias estaria se referindo à propensão de Mateus para temas e dispositivos semíticos, não um evangelho semítico original. Outros rejeitaram tal interpretação como uma maneira não natural de ler a passagem de Papias, e preferem reconhecer que Papias estava simplesmente errado quando afirmou que Mateus foi originalmente escrito em uma língua semítica. No entanto, tal admissão não garante a completa dispensa do testemunho de Papias sobre a autoria de Mateus. É preciso ainda explicar como o nome de Mateus se ligou ao primeiro Evangelho. A obscuridade e a relativa falta de proeminência do apóstolo Mateus argumentam contra a visão de que a igreja primitiva atribuísse pseudonimamente o Evangelho a Mateus. Certamente, a tradição patrística tinha alguma base para atribuir o Evangelho a Mateus. Portanto, como observado por Davies e Allison, “a compreensão simplista de Papias, que o desconsidera de imediato, deve ser questionada, se não abandonada”.

Não há nada inerente ao próprio Evangelho que argumenta convincentemente contra a autoria de Mateus. Contrariamente à opinião de alguns, o decidido sabor judaico do Evangelho argumenta de forma decisiva para o autor do primeiro Evangelho como sendo um judeu. Outros estudiosos notaram que o histórico de Mateus e seu treinamento como “coletor de impostos”, juntamente com outras habilidades profissionais, oferecem uma explicação plausível para a sofisticada forma literária do Evangelho e a atenção aos detalhes. Certamente, o peso combinado de considerações externas e internas torna a visão tradicional da autoria de Mateus uma posição razoável, se não a mais plausível. Não apenas dados difíceis são difíceis de estabelecer para autoria de qualquer um dos Evangelhos, o que está disponível é frequentemente sujeito a explicações diversas, mas igualmente confiáveis. Segue-se que, embora a questão da autoria seja um problema histórico intrigante, é extremamente duvidoso que algum consenso possa emergir dada a natureza da evidência disponível.
A questão deve ser levantada se a veracidade do primeiro Evangelho ou sua interpretação depende, em última análise, do veredicto de autoria. Enquanto um viés teológico sobre a autoria pode influenciar a forma como o texto é avaliado, os dois problemas não estão integralmente conectados. Como o primeiro Evangelho oferece muito pouca (ou nenhuma) visão da identidade de seu autor histórico, recriar a figura por trás do Evangelho não é relevante ou particularmente importante para entender a história de Mateus sobre Jesus. Assim, embora eu não veja nenhuma razão convincente para abandonar a atribuição tradicional da autoria de Mateus ao primeiro Evangelho, nenhuma preocupação exegética ou teológica significativa paira sobre o assunto.

Prioridade e Forma

Alguns estudiosos hoje argumentam que Mateus foi o primeiro Evangelho a ser escrito. A maioria dos estudiosos, no entanto, mantém a prioridade de Marcos e acredita que Mateus provavelmente usou duas outras fontes além de Marcos, uma que foi compartilhada com Lucas (comumente chamada de “Q”) e uma fonte que foi usada independentemente por Mateus. Enquanto gerações anteriores de estudiosos sustentavam que muitas das repetições encontradas em Mateus se deviam ao uso descuidado dessas fontes, estudos mais recentes afirmam que Mateus emprega a repetição intencionalmente como um meio de desenvolver personagens e avançar na trama. Mateus também se baseia em citações e alusões ao Antigo Testamento para guiar o leitor através da história e fornecer quadros interpretativos para os eventos narrados. Entre as mais proeminentes, estão as “citações de cumprimento” (Mateus 1.22 e 23, 2.15 a 23, 4. 14 a 16, 8.17, 12. 17 a 21, 13.35, 21.4 e 5, 27.9 e 10), o que atrairá as audiências que estão familiarizadas com o Antigo Testamento, especialmente as profecias referentes ao Messias. No entanto, à medida que se encontram apelos às expectativas judaicas, também se encontram elementos nesta história que teriam surpreendido os leitores com o conhecimento do Antigo Testamento e estenderam suas noções sobre o Messias e Deus. A descrição de Jesus de um “escriba treinado para o reino dos céus” como alguém que “traz do seu tesouro o que é novo e o que é velho” (13.52) descreve bem o próprio trabalho desse evangelista.
A manipulação de Mateus das convenções do gênero também gera tensão e surpresa. O evangelho incorpora elementos que teriam levado o público antigo a associá-lo tanto a biografias de importantes filósofos e reis quanto à historiografia judaica. Assim, por um lado, a história de Mateus é sobre Jesus, o professor e curador, cujas ações e ensinamentos, incluindo sua morte e ressurreição, formam um todo coerente, congruente e convincente, digno de emulação pelos fiéis discípulos mesmo em meio a circunstâncias desconcertantes. Desta forma, funciona como uma antiga biografia. Por outro lado, a história de Mateus é sobre Jesus, o messias de Israel, cuja vocação e ministério, incluindo sua morte e ressurreição, resumem e realizam toda a história de Deus e do povo de Israel. Desta forma, o evangelho parece construir e completar os livros históricos encontrados no Antigo Testamento. Ao combinar a biografia com a história, o evangelho transcende as expectativas de ambos. O leitor percebe que Jesus é uma figura cuja vida e ensinamentos são importantes por direito próprio, mas também aquela cuja história resume e altera a história.

Mateus também mantém múltiplos padrões estruturais sobrepostos em tensão. O mais proeminente desses padrões organizacionais é a alternância de narrativa e discurso. Cinco vezes Mateus usa a fórmula “e quando Jesus terminou de dizer estas coisas”, sempre na transição de um dos cinco principais discursos de Jesus para uma seção da narrativa registrando seus atos (7.28 e 29, 11.1, 13.53, 19.1, 26.1). Alguns estudiosos detectam na correspondência aproximada de temas e motivos em meio a esses segmentos da narrativa e do discurso um arranjo quiástico abrangente (isto é, um paralelismo concêntrico invertido, baseado nas parábolas do capitulo 13).
Duas vezes Mateus usa a fórmula “daquele tempo em que Jesus começou”, cada vez sugerindo uma mudança importante na narrativa: em 4.17 Jesus começa seu ministério e prega na Galileia, e em 16.21 ele se volta para Jerusalém, onde seu sofrimento, morte e ressurreição ocorrerão. De acordo com esse esquema, Mateus é organizado em três painéis, cada um representando um aspecto geográfico e, especialmente, cristológico diferente da história.
Mais recentemente, os estudiosos voltaram sua atenção para o desenvolvimento da trama em Mateus, e ofereceram uma variedade de propostas sobre a estrutura do Evangelho baseada em “cernes”, os pontos de inflexão que determinam as cadeias de causalidade em torno das quais a narrativa flui. Essa abordagem normalmente produz uma estrutura de seis partes, aproximadamente da seguinte maneira:

1 - A vinda do Messias, 1.1 a 4.16 (sedimento 1.18 a 25).

2 - O ministério do Messias para Israel, 4.17 a 11.1 (sedimento: 4.17 a 25).

3 - Conflito e crise no ministério do Messias, 11.2 a 16.20 (cerne: 11.2 a 6).

4 - A jornada do Messias a Jerusalém, 16.21 a 20.34 (cerne: 16.21 a 8).

5 - A rejeição final e crucificação do Messias, 21.1 a 27.66 (cerne: 21.1 a 27).

6 - Ressurreição do Messias e comissionamento dos discípulos, 28.1 a 20 (cerne: 28.1 a 10).

Os leitores devem resistir à tentação de escolher entre essas alternativas, uma vez que elas são desenvolvidas com base em critérios diferentes, mas não necessariamente exclusivos. Leituras que ignoram os complexos padrões estruturais que se cruzam e se sobrepõem em ação nesse evangelho tendem a ser reducionistas. Além disso, o evangelista às vezes estabelece padrões e expectativas, apenas para quebrá-las. Por exemplo, na genealogia que abre o evangelho (e que molda as expectativas genéricas dos leitores), Mateus expõe a ascendência de Jesus de acordo com uma estruturação em três partes da história de Israel, levando de Abraão ao estabelecimento do reino davídico, de Salomão ao exílio babilônico, e do retorno do exílio ao Cristo. Mateus então diz ao leitor explicitamente que cada uma dessas três porções da história de Israel tem 14 gerações. Uma contagem cuidadosa, no entanto, produz apenas 13 gerações no último segmento. Mateus cometeu com um erro? Nós devemos contar Jesus duas vezes? O Espírito Santo conta como uma geração? Mateus não resolve essas questões, mas deixa aos leitores resolver o mistério e a tensão de uma estrutura cuidadosamente construída e (aparentemente) intencionalmente quebrada.
A sensação de tensão e surpresa gerada pelo uso da estrutura de Mateus é acompanhada pelas tensões temáticas que percorrem esse Evangelho. O mais evidente deles, e o mais preocupante para os estudiosos, tem sido o problema colocado pela relação de Mateus com o judaísmo. Mateus é um dos documentos mais explicitamente judaicos do Novo Testamento, mas também um dos mais críticos da liderança judaica. Mateus parece afirmar a continuidade da validade da Lei (por exemplo, 5.17 a 20), ao mesmo tempo em que limita parte de sua autoridade (por exemplo, 12.1 a 14). Isso reflete uma comunidade agora em grande parte gentia que (talvez há muito tempo) deixou suas raízes judaicas para trás, mas não se preocupou em cobrir os rastros de suas origens? Será que isso reflete uma comunidade predominantemente judaica que só recentemente emergiu de uma ruptura dolorosa e definitiva com as facções judaicas concorrentes? Ou Mateus é representante de uma comunidade cristã (ou “cristã judaica”) que, mesmo no seu empenho em missão às nações, entende-se como herdeira legítima e fiel personificação da vocação e das tradições de Israel e, portanto, em competição com expressões alternativas de Identidade judaica e liderança? Durante as últimas décadas, a maior parte da discussão centrou-se nas últimas alternativas, com um número crescente de vozes afirmando a última dessas propostas.

Essa linha de questionamento, em qualquer caso, tem suas raízes na aparente determinação de Mateus de localizar a história de Jesus na história de Israel ou, mais precisamente, estabelecer Jesus como o cumprimento da história de Israel, ao mesmo tempo afirmando que o Messias é o começo de algo, novo. Em outras palavras, Mateus afirma tanto a continuidade quanto a descontinuidade entre Jesus e a vocação e as tradições de Israel. Assim, Jesus cumpre e revoga (e radicaliza) a lei. Ele representa para Israel, bem como para as nações, tanto o julgamento quanto a misericórdia. Ele é tanto o rei messiânico davídico (por exemplo, 12.23) quanto o humilde servo quebrado em quem as nações desejarão (12.18 a 21). Mateus dá a esta representação tensa e paradoxal de Jesus uma expressão quase cômica na história da entrada triunfal em Jerusalém (21.1 a 11), onde aparentemente Jesus não monta um, mas dois animais, um jumento, que os reis do Antigo Testamento tradicionalmente cavalgavam até a coroação, e o potro de um animal de carga, a besta de carga que simboliza a identidade de Jesus como servo.
Desde o início do Evangelho, Mateus usa uma variedade de títulos e imagens para descrever Jesus. Jesus não é apenas o Messias e Filho de Davi, mas Filho de Deus, Filho do Homem e aquele que salvará o seu povo dos seus pecados (1.21). Em cada caso, Mateus distorce as expectativas associadas a cada título para dizer algo novo sobre Jesus. Mateus também nomeia explicitamente Jesus como Emanuel, “Deus conosco”, tanto no começo como no fim do Evangelho (1.23, 28.20). Por “suporte” ao Evangelho com essa identificação, Mateus sugere que toda a história pode ser lida como uma explicação do que significa essa designação. “Deus conosco” está presente na forma humana, na mansidão (12.18 a 21), bem como no poder (7.29, 9.8, 21.23, 28.18). As ações e ensinamentos de Jesus como “Deus conosco” obscurecem as fronteiras entre o humano e o divino (por exemplo, 9.1 a 8, 14.22 a 33) e entre o céu e a terra (6.10, 16.19, 18.18, 38.20). O efeito dessa redefinição constante de expectativas e confusão de fronteiras é um constante alongamento da imaginação e das práticas dos discípulos, bem como dos leitores.

Conforme a história de Mateus sobre Jesus se desdobra, os leitores ficam surpresos com a intriga e a violência que atendem a sua pessoa e ministério, desde as tentativas de Herodes de matar o bebê (2.1 a 23) até os espasmos de violência que culminam em sua crucificação. De acordo com Mateus, a presença de Deus no mundo em Jesus é recebida com confusão, descrença e rejeição. Mateus retrata essa resposta com maior clareza com referência aos líderes religiosos e políticos, que percebem que Jesus possui poder transformador, mas acha seu ministério ameaçador ao seu próprio poder cuidadosamente cultivado, bem como à sua piedade. Em uma série de trocas de palavras, Jesus prende os líderes de Jerusalém em autocondenação (21.23 a 46); eles articulam sua própria condenação e julgamento (21.31 e 32, 21.40 e 41). O Reino será tirado deles e dado a outros. A surpresa é que os piedosos e poderosos não são necessariamente os escolhidos de Deus.
No decorrer das interações de Jesus com os líderes judeus, Mateus deixa claro que uma das principais questões em jogo é a natureza da autoridade. Os líderes judeus possuem autoridade política, econômica e social, que exercem à custa daqueles a quem consideram menos justos. Seu poder é usado para o interesse próprio e para preservar os limites sociais e econômicos. Esse tipo de poder, de acordo com Mateus, é humano e não vindo de Deus. O poder de Jesus, pelo contrário, quebra as barreiras impostas pela classe, riqueza e piedade. Jesus usa essa autoridade para demonstrar a misericórdia de Deus. A decisão dos líderes de finalmente fazer com que Jesus seja morto deixa claro que o poder deles toma vida, enquanto o poder de Deus o restaura. Mateus, portanto, usa os eventos que levaram à crucificação de Jesus para destacar a questão de quem verdadeiramente representa e manifesta a autoridade de Deus. Aqui, novamente, o leitor pode se surpreender: o poder de Deus não se manifesta na ameaça da morte, mas na restauração da vida.

Em Mateus somente os que têm fé, os pequenos e os menores, os discípulos de crianças e mulheres, em outras palavras, aqueles cuja participação na atual ordem é mínima, são capazes de discernir a verdadeira identidade de Jesus, ainda que parcialmente. Com a Crucificação, o pleno significado e poder da vocação de Jesus são finalmente manifestados. Sua morte marca a culminação apocalíptica da história. A terra é abalada, rochas quebradas, tumbas abertas e os mortos ressuscitados. A surpresa não é apenas que Deus justifica a queda de Jesus da vontade mortal dos líderes, mas que a morte e ressurreição de Jesus é o ponto de virada da história.
Ainda outra tensão em Mateus gira em torno das implicações da morte de Jesus para o povo judeu. É claro em Mateus que a missão aos gentios depende da conclusão da missão de Jesus às ovelhas perdidas da casa de Israel. Mas a missão aos gentios acontece por causa do fracasso da missão a Israel? Deus agora se afastou de Israel e para as nações (isto é, para uma igreja gentia)? Ou a morte de Jesus é o meio de salvação mesmo para aqueles que rejeitaram e executaram Jesus? Mateus não responde diretamente a essas perguntas, mas deixa o leitor discernir as respostas nos caminhos do discipulado (28.16 a 20).
A arte literária de Mateus produz uma história que retribui uma leitura cuidadosa e atenta e que amplia nossa imaginação e aprofunda nossa percepção a cada nova leitura. Mateus aponta possíveis discípulos em direção a um Messias que cumpre esperanças e supera expectativas, e que promete estar presente na jornada através de tempos difíceis e confusos, não muito diferentes dos nossos.

Questões Preliminares

Mateus suscita tantos problemas mais amplos, aos quais precisam ser acrescentados outros que afetam os quatro evangelhos, que a exegese teve de ser mantida o mais breve possível. Sempre que for praticável, recomenda-se ao leitor que consulte o tratamento dado aos textos paralelos em outros evangelhos. Os autores são citados somente pelo nome; o título da obra será encontrado na bibliografia.

Narrativa

De muito maior importância do que decidir a identidade do autor, é uma avaliação da maneira como o autor decidiu apresentar sua história de Jesus. Em termos literários, o modo como uma história é contada é chamado de “ponto de vista”. Um contador de histórias pode contar sua história na primeira pessoa (ou seja, “eu”) e retratar a si mesmo como um dos personagens da história. Do ponto de vista de primeira pessoa, o contador de histórias seria necessariamente limitado ao que ele pessoalmente experimentou ou aprendeu com outros personagens. A história de Mateus é contada em uma narração em terceira pessoa, onde o contador de histórias não é um participante da história, mas se refere a personagens da história como “ele”, “ela” ou “eles”. De tal ponto vantajoso, o narrador de Mateus fornece ao leitor uma vantagem informacional sobre os personagens da história e, assim, situa o leitor em uma posição vantajosa para avaliar eventos e personagens da história.
Talvez a característica mais proeminente de uma narração em terceira pessoa seja a capacidade do contador de histórias de fornecer ao leitor insights que normalmente não estão disponíveis para um na vida real. Sua capacidade de mover-se dentro de seus personagens para revelar seus pensamentos, sentimentos, emoções e motivações mais íntimos, permite ao leitor usar esses insights para formar avaliações e opiniões sobre personagens e eventos dentro da história. Por exemplo, o narrador revela quando os discípulos ficam maravilhados (8.29, 21.20), temerosos (14.30, 17.6), tristes (26.22), cheios de tristeza (17.23) e indignados (26.8). Ele sabe quando eles entendem (16.12, 17.13), e quando duvidam (28.17). O impacto geral desses insights permite ao leitor avaliar melhor os traços exibidos pelos discípulos.
Insights similares são fornecidos nos pensamentos, emoções e motivações de personagens secundários na história. Os pensamentos internos de José (1.19), Herodes (2.3), as multidões (7.28, 22.33, 9.8, 12.13, 15.31), a mulher (9.21), Herodes, o tetrarca (14.59), Judas (27.3), Pilatos (27.14 e 18), o centurião (27.54) e a reação das mulheres ao túmulo (28.4 e 8) são tudo acessível ao narrador de Mateus. O narrador até fornece ao leitor informações privilegiadas sobre os pensamentos e motivações dos líderes judeus (2.3, 9.3, 12.14, 21.45 e 46, 26.3 a 5, 12. 10, 16.1, 19.3, 22.15). Essas percepções funcionam para estabelecer na mente do leitor o antagonista da história.
O narrador de Mateus também não está limitado pelo tempo ou espaço em sua cobertura da história. Mateus fornece ao leitor acesso a conversas privadas entre Herodes e os Magos (2.3 a 8), João e Jesus (3.13 a 15), Jesus e Satanás (4.1 a 11), os discípulos (16.7). Pedro e Jesus (16.23), Judas e o sumo sacerdote (26.14 a 16, 26.40), e Pilatos e o sumo sacerdote (27.62 a 64). Ele dá a conhecer ao leitor as decisões privadas tomadas pelo sumo sacerdote e o Sinédrio (26.59 e 60), e o plano do sumo sacerdote e anciãos relativo ao desaparecimento do corpo (28.12 a 15). O narrador está presente quando Jesus ora sozinho e, ao mesmo tempo, conhece as dificuldades dos discípulos no mar (14.22 a 24). Ele facilmente leva o leitor do tribunal de Pilatos para o pátio da negação de Pedro (26.70) e, finalmente, para a cena na cruz (27.45). Na maior parte, o narrador na história de Mateus fica perto de Jesus e visualiza eventos e personagens em termos de como eles afetam seu personagem principal.
Qualquer que seja o autor histórico real, fica claro que o contador de histórias de Mateus narra seu evangelho de modo a guiar seus leitores de maneira confiável ao longo da história, a fim de avaliar adequadamente os eventos e os personagens. Ocasionalmente, o narrador interromperá o fluxo da história para fornecer ao leitor um comentário ou uma explicação explícita. Essas intrusões podem assumir a forma de vários tipos de descrições (Exemplo: 3.4, 17.2, 28.3 e 4, 27.28 a 31), resumos (Exemplo: 4.23 a 25, 9. 35 a 38, 12. 15 e 16, 14.14, 15.29 a 31) ou explícito comentário interpretativo (Exemplo: 1.22 e 23, 2.15, 4.15 e 16, 8.17, 12.17 a 21, 13.35, 21.4 e 5, 27.9 e 10). Detectar a voz do narrador na história permite que o leitor seja sensível à maneira pela qual Mateus instrui, lidera e encoraja o leitor a adotar um ponto de vista particular.

Interpretação Cristã

Mas o passo final na interpretação vai além das opções acadêmicas tradicionais. Alguns intérpretes contemporâneos falam de “comunidades de interpretação”; em sua linguagem, reconhecemos a igreja como uma comunidade distinta de interpretação. A academia secular pode fazer perguntas sobre a história, sobre a estrutura literária, sobre temas em um determinado livro ou sobre como as pessoas em determinadas tradições religiosas interpretam um livro, mas como cristãos também lemos cada livro da Bíblia como uma mensagem de Deus. Fazemos uma pergunta final: "Tendo em vista o que Deus inspirou o autor a dizer ao primeiro público do livro, como essa mensagem aborda as pessoas de Deus e nossa sociedade hoje?"
Quando pastores e missionários leem os problemas que Paulo enfrentou como pastor e missionário, podemos nos identificar com suas lutas. Quando os cristãos nos países pobres ou no centro da cidade leem como os primeiros cristãos enfrentaram a pobreza e a violência, eles podem ressoar com as necessidades e a fé daqueles primeiros cristãos. Quando um ente querido está morrendo, podemos nos identificar com aquelas pessoas que se reuniram em busca de Jesus, buscando desesperadamente a cura. (De fato, aqueles de nós que experimentaram ou testemunharam o poder contínuo de Jesus são tão céticos quanto o preconceito iluminista contra os milagres como muitos intelectuais seculares são de milagres.) Repetidamente os autores inspirados nos confrontam em situações em que precisamos ouvir de Deus. E nessas situações humanas comuns nos entregam uma mensagem de Deus.
Acima de tudo, os textos bíblicos nos revelam o caráter de Jesus e assim nos revelam o coração de Deus. Quando recebemos uma comunicação de alguém que conhecemos bem, lemos essa comunicação no contexto do que sabemos sobre essa pessoa e nosso relacionamento com ela. A Bíblia sempre expande nosso conhecimento de Deus mostrando-nos como ele se relaciona com pessoas diferentes em várias situações, mas também a lemos de maneira especial porque estamos chegando a conhecer melhor e melhor o personagem principal da Bíblia à medida que o seguimos em nossas lutas. , alegrias, orações e testemunho. Para nós, a Bíblia é história e literatura, mas é muito mais: É uma mensagem de Deus pela qual vivemos. “Quem ouvir com ouvidos!” (Mateus 13.9).

Narrativa Literária

Visto que o texto de Mateus teria sido manuscrito sem pontuação sistemática ou técnicas modernas 
para delinear características estruturais tais como negrito, sublinhado, parágrafo ou cabeçalhos, qualquer pista para discernir a estrutura e natureza da composição depende de “pistas verbais” a narrativa em si. Tanto nas tradições hebraicas quanto nas tradições clássicas, a comunicação em nível literário assumia um nível de competência nas técnicas convencionais de comunicação. Embora os autores do Novo Testamento possam não ter sido formalmente treinados em retórica, uma troca efetiva de ideias exige alguma consciência dos padrões convencionais de comunicação. Um estudo do estilo literário de Mateus enfatiza os recursos literários que ele emprega para levar o leitor a experimentar sua história de uma certa maneira.
A leitura da história de Mateus (seja oralmente perante uma audiência ou em particular) teria exigido que o leitor atendesse às várias características estruturais que poderiam iluminar o significado e o fluxo da narrativa. Algumas dessas estratégias literárias funcionam em um nível estrutural mais amplo, proporcionando ao texto um senso de progressão e coesão (por exemplo, ver as frases estereotipadas em 7.28, 11.1, 13.53, 19.1, 26.1, 4.17, 16.21). No entanto, a maioria das características estruturais contribui principalmente para um senso de coesão dentro de unidades textuais menores. Esses recursos podem destacar ou enquadrar temas unificadores abrindo e fechando unidades distintas com palavras ou frases semelhantes (ver, por exemplo, 4.23 e 24, 9.35); construir antecipação antecipando eventos subsequentes (por exemplo, o capitulo 2 prenuncia a narrativa da paixão); ou estimular a reflexão e um sentido de desenvolvimento na história pela repetição verbal e semelhanças episódicas (8.23 a 27, 14.22 a 33, 9.27 a 31, 20.29 a 34, 9.32 a 34, 12.22 a 34, 14.13 a 21, 15.32 a 38). Esses elementos, juntamente com o gosto de Mateus por agrupar materiais de acordo com um esquema temático ou mesmo numérico, são indicativos de um ambiente amplamente educado por meio da proclamação oral e não da palavra escrita. O esquema composicional de Mateus facilitou muito o aprendizado fornecendo ao ouvinte (ou leitor), com uma apresentação coerente e ordenada que auxiliou na compreensão e memorização.
As meticulosas preocupações estruturais, tanto no conjunto quanto nos pequenos detalhes de Mateus, foram amplamente reconhecidas pelos acadêmicos. No entanto, como veremos na próxima seção, há grande diversidade no que diz respeito ao padrão estrutural geral do primeiro Evangelho. A dificuldade está em ir de características estruturais claramente delineadas nas unidades de texto menores, até o uso dos mesmos dispositivos para explicar a composição total. Muitas vezes a análise parece forçada e incapaz de encaixar os detalhes em um único padrão coerente. Nem sempre é fácil identificar a contribuição precisa que um determinado dispositivo literário faz para a composição geral de uma obra literária, e certamente sempre existe o perigo de ler demais em um texto impondo artificialmente padrões simétricos onde eles não existem. No entanto, esses problemas são superados por uma maior sensibilidade à natureza e função dos dispositivos literários, e não por ignorar essas características de um texto. A questão permanece sobre quais recursos podem fornecer pistas para a estrutura geral do Evangelho de Mateus.

Composição

Algumas questões e questões que podem ser extremamente importantes para a compreensão de uma categoria de literatura podem contribuir pouco para a compreensão de outra. Por exemplo, uma interpretação informada das cartas de Paulo exige uma reconstrução do mundo que produziu o texto. O leitor moderno precisaria saber o máximo possível sobre o autor, o destino da carta e os fatores que deram origem ao texto. A carta em si constituirá uma fonte primordial para adquirir tal informação.
No entanto, quando alguém aborda as narrativas do evangelho com as mesmas preocupações, o problema é complicado pela falta de informação proporcionada pelo texto. O anonimato dos Evangelhos, juntamente com o silêncio sobre o lugar, o tempo e as circunstâncias que podem ter gerado seus escritos, exige que tais investigações históricas sejam respondidas em termos de probabilidade. O que isto significa é que não há acesso direto, através do texto, ao autor histórico ou aos principais destinatários de seu documento. A dificuldade está centrada no fato de que o texto não é projetado primariamente para funcionar como uma “janela” através da qual se pode acessar a mente e o ambiente do autor e dos leitores originais. O autor não pretende contar sua própria história ou a de seus leitores, mas a história de Jesus de Nazaré. Felizmente, seguir o desenvolvimento sequencial e o sentido da história de Mateus sobre Jesus não depende de identificar com certeza o autor ou a matriz histórica e social que possa ter estimulado sua escrita.

Contexto e Tema

Mateus era jovem quando Jesus o chamou. Judeu de nascença, sua profissão era a de cobrador de impostos, e ele abandonou tudo para seguir a Cristo. Uma de suas muitas recompensas foi que ele se tornou um dos doze apóstolos. Outra é que ele foi escolhido como o escritor do que conhecemos como o primeiro evangelho. É aceito de forma geral que Mateus também era conhecido como Levi (Marcos 2.14, Lucas 5.27). No seu evangelho, Mateus dispõe-se a mostrar que Jesus é o Messias de Israel que o povo tanto aguardava, o único que poderia reivindicar legalmente o trono de Davi. O livro não professa ser uma narrativa completa da vida de Cristo. Começa com sua genealogia e seus primeiros anos, e então passa para o início do seu ministério público quando ele tinha aproximadamente trinta anos. Guiado pelo Espírito Santo, Mateus seleciona esses aspectos da vida e do ministério do Salvador que comprovam sua condição de Ungido de Deus (é justamente isso o que significa Messias e Cristo). O livro vai até o ponto mais alto: o julgamento, a morte, o sepultamento, a ressurreição e a ascensão do Senhor Jesus. E nesse ápice, é óbvio, foi assentado o fundamento da salvação do homem. É por essa razão que o livro é chamado de evangelho, não tanto porque ele mostra o caminho pelo qual pessoas pecaminosas podem receber a salvação, mas, pelo contrário, porque descreve a obra sacrificial de Cristo pela qual a salvação se tornou possível.

Posição Singular no Cânon

O evangelho de Mateus é a ponte perfeita entre o Antigo e o Novo Testamento. Suas primeiras palavras nos levam de volta a Abraão, o patriarca do povo de Deus do Antigo Testamento, e a Davi, o primeiro grande rei de Israel. Devido à sua ênfase, ao acentuado teor judaico, às inúmeras citações das Escrituras hebraicas e por ser o livro que encabeça o Novo Testamento, Mateus está na posição lógica para a apresentação da mensagem cristã ao mundo. Mateus tem mantido essa primeira posição na sequência dos quatro evangelhos por muito tempo. Isso se deve ao seguinte fato: Até os tempos modernos, aceitava-se universalmente que Mateus havia sido o primeiro evangelho a ser escrito. O estilo organizado e claro de Mateus também fez dele o mais apropriado para a leitura em público. Portanto, era o evangelho mais popular, às vezes até disputando esse lugar com o evangelho de João. Para sermos ortodoxos não é necessário acreditar que Mateus foi o primeiro evangelho a ser escrito. Porém, os cristãos mais antigos eram quase na totalidade de procedência judaica, e havia milhares e milhares deles. Ir ao encontro das necessidades desses primeiros cristãos se torna bem lógico.

Data

Esforços para recuperar o cenário ambiental que melhor explica a forma e o conteúdo do Evangelho de Mateus não resultaram em um consenso acadêmico. No que diz respeito à data da composição do Evangelho, os estudiosos são divididos em duas propostas amplas. A visão da maioria é que Mateus foi escrito depois de Marcos em algum momento entre as datas de (80 a 100). Entretanto, os argumentos apresentados para estabelecer tal esquema de datação são amplamente baseados em juízos prévios concernentes à ordem da composição do Evangelho ou reconstruções hipotéticas de desenvolvimentos no primeiro século. Importante para a datação pós 70 de Mateus é a afirmação de que Mateus conhecia e usava Marcos como uma fonte importante para a escrita de seu Evangelho. Uma vez que o consenso do julgamento acadêmico data Marcos nos anos 60, é, portanto, provável que Mateus tenha composto seu evangelho algum tempo depois de 70. É claro que, se rejeitarmos a prioridade Marcana ou a data sugerida para a composição Marcana, o argumento não será convincente.
Uma data posterior a 70 também foi assumida com base na linguagem explícita de Mateus sobre a destruição de Jerusalém e suas referências à “igreja” (16.18, 18.17). Essa linguagem é considerada anacrônica e, portanto, indicativa de uma composição pós 70. A referência a um “rei” na parábola da festa de casamento que “enviou seu exército e destruiu aqueles assassinos e queimou sua cidade” (22.7), parece refletir o conhecimento histórico da destruição de Jerusalém retrocedida no ministério de Jesus como profecia. Contudo, além do fato de se Jesus poderia prever a queda de Jerusalém, “é precisamente o tipo de linguagem que se poderia esperar em uma previsão genuína de aniquilação política no contexto judaico, e não dependem de um conhecimento específico de como as coisas de fato resultaram em anúncios 70”. “Também não há necessidade de ler uma eclesiologia desenvolvida nas referências de Jesus à igreja”.
Talvez o mais fidedigno argumento para datar Mateus nas últimas décadas do primeiro século seja a decidida polêmica judaica que aparentemente domina o primeiro Evangelho. Acredita-se que o judaísmo formativo no período pós 70 forneça a base mais adequada para o retrato de Mateus dos líderes judeus e sua visão subjacente de Israel. Após a destruição do templo em 70 foi o movimento farisaico que surgiu como a forma normativa do judaísmo. O farisaísmo era particularmente adequado para trazer estabilidade e um senso renovado de identidade judaica após a tragédia de 70. Os fariseus viam a si mesmos como “os intérpretes mais precisos da lei” e definidores dos limites sociais e cúlticos que delimitavam o povo de Deus da aliança. Acredita-se que a comunidade abordada pelo Evangelho de Mateus seja rival de um judaísmo pós 70, tendo sofrido severa hostilidade e rejeição pelo judaísmo oficial.
No entanto, a evidência não garante a suposição de que a comunidade de Mateus tenha interrompido todo o contato com a comunidade judaica. Além disso, não se sabe o suficiente sobre o farisaísmo pré 70 para negar enfaticamente um cenário para o Evangelho de Mateus antes da destruição de Jerusalém. De fato, uma impressionante lista de estudiosos argumentou convincentemente para uma datação pré 70 de Mateus. Essa visão não só tem sólidas evidências patrísticas, como algumas passagens em Mateus podem ter a intenção de sugerir que o templo ainda estava de pé naquele tempo dos escritos do Evangelho (5.23 a 29, 12.5 a 7, 17.23, 16.22, 26.60 e -61). Parece que a evidência não é suficientemente decisiva para desacreditar completamente todas as visões competitivas. Felizmente, compreender a história de Mateus sobre Jesus não depende da reconstrução do contexto histórico do qual o Evangelho surgiu.

Lugar

Ainda menos importante para uma leitura competente do primeiro Evangelho envolve o esforço para decidir o lugar preciso de origem do Evangelho. Por causa de sua grande comunidade judaica e papel estratégico na missão gentia, os estudiosos da Matemática escolheram Antioquia da Síria como o lugar de origem do Evangelho. Outras propostas incluíram Jerusalém, Alexandria, Cesaréia, Fenícia e simplesmente "leste do Jordão". Embora certas evidências possam tender a favorecer uma proveniência em detrimento de outra, na análise final não podemos ter certeza de onde o Evangelho de Mateus foi composto.